A
União Europeia vive um dos momentos mais importantes da sua história. O
“Brexit” veio demonstrar que o futuro nem sempre é linear. Por vezes, o
improvável acontece. Porém, enquanto alguns querem sair, outros querem entrar.
É o caso da Turquia, ou, pelo menos, assim parece ser. Será possível?
A
Turquia abraçou nas últimas décadas o sonho de um dia poder vir a integrar a
União Europeia. Foi em 1987 que se candidatou à então CEE. Muito mudou desde
então. Encontra-se ainda longe, muito longe, de vir a entrar no clube europeu.
O seu processo de adesão tem-se arrastado penosamente ao longo dos anos. Por
entre avanços e recuos, de parte a parte, diga-se, a questão encontra-se hoje
num impasse. Um limbo no qual não se antevê um fim à vista. Uma situação
confortável, que agrada a ambos e que, principalmente, não desagrada a nenhum.
A
acontecer seria deveras surpreendente. Um passo demasiado grande para uma União
que, não raras as vezes se debate com a sua identidade. Um passo demasiado
grande por tudo aquilo que a Turquia representa.
A
Turquia tem mais de 70 milhões de habitantes e prevê um forte crescimento
demográfico nos próximos anos. Caso a entrada na UE se concretizasse, tornar-se-ia
no segundo país mais populoso da UE, ficando apenas atrás da Alemanha mas com
perspetivas de a vir a ultrapassar a curto ou médio prazo. Como ficaria a
relação de forças e poder dentro da UE?
A
isto acresce que a Turquia, apesar de ser o país mais ocidentalizado e laico do
médio oriente, tem uma população de maioria muçulmana. Seriam 70 milhões de
muçulmanos a entrar de uma só vez na UE. Esta possível nova identidade
religiosa e cultural da União Europeia choca com a matriz judaico-cristã, pilar
identitário da União, sendo uma das principais forças de bloqueio.
O
grande entrave à adesão turca, contudo, continua a ser o atropelo constante à
democracia e ao Estado de Direito. Apesar das recomendações da UE, a Turquia
não tem registado progressos em matéria de liberdades, direitos humanos e
respeito pelas minorias - nomeadamente dos curdos. Enquanto este cenário se
mantiver, a Turquia verá gorada qualquer hipótese de adesão ao clube europeu.
Mas
nem sempre foi assim. Houve um tempo em que se perspetivava com otimismo uma
adesão turca a médio-prazo. Erdogan, quando ainda era Primeiro-Ministro,
começou por procurar aproximar o país das exigências europeias. Tal impulso culminou,
em 2005, com a abertura do processo de adesão à UE. Desde então, estagnou. Dos
16 capítulos de negociações abertos, nenhum foi concluído. Os restantes 19 nem sequer
chegaram a sair da gaveta.
Para
este desfecho terão contribuído muitos fatores. As crises de 2008 e 2011
puseram a nu as fragilidades da UE e reorientaram as atenções dos líderes
europeus para matérias de foro corrente, relegando a construção europeia para
segundo plano. Também a Primavera Árabe poderá ter impactado no atraso deste processo,
trazendo instabilidade e focos de tensão para a região de influência turca. A
animosidade entre a Turquia e o Chipre, membro da União Europeia, - que, desde
1974, se debatem sobre a República Turca de Chipre do Norte -, também não é de
descurar. A UE jamais quererá tamanha disputa diplomática dentro de portas.
Porém,
crê-se que o verdadeiro motivo seja mais profundo: falta de motivação e
confiança de ambos os lados. O tempo foi passando. Erdogan foi-se tornando mais
autoritário – talvez devido à Primavera Árabe, com receio que lhe ocorresse o
mesmo. A convergência com a UE foi-se esbatendo. As exigências foram apertando.
A impaciência foi emergindo.
Não
foi por isso com espanto que a UE não condenou veemente o golpe falhado de 2016
contra Erdogan. Este nunca esqueceu. Foi o momento de viragem.
Tal
não quer dizer que a UE e a Turquia, de ora em diante, seguirão caminhos
alternativos. Estão condenados a entender-se. No plano político têm surgido
alguns acordos, de entre os quais se destaca a controversa resolução para o problema
dos refugiados.
Mas
é no plano económico que fica patente a estreita relação da Turquia com o
bloco. A UE é o maior parceiro comercial da Turquia – cerca de 40% do comércio
da Turquia decorre com países membros da UE -, e é responsável por cerca de 50%
de todo o investimento direto
estrangeiro naquele país.
É precisamente por reconhecerem a importância
dos laços comerciais com a Turquia, que alguns países defendem um estatuto de
parceria privilegiada e um reforço da união aduaneira constituída em 1995 e não
a sua integração no bloco europeu.
Esta alternativa parece atualmente ser a
melhor opção. O processo de adesão, apesar de ser falado de
quando em quando, só é viável a longo-prazo. Todos os intervenientes têm noção
de que acabou. Ou melhor, está suspenso. Suspenso à espera de um novo tempo, de
nova gente, de uma nova oportunidade. Para já vai servindo de arma de arremesso
e combate político, até cair no
esquecimento.
Entretanto a União Europeia deve projetar o futuro.
Deve decidir o formato da União a construir. A Turquia deve proceder de forma
idêntica. A adesão à UE não fará com que perca a sua influência regional, mas a
sua capacidade de atuação ficará limitada. Caso opte por manter o objetivo de
entrar na UE tem um longo caminho a percorrer.
Certo é que ainda muito teremos que esperar
até a UE abrir os braços à Turquia e mostrar ao mundo que é o mais bem-sucedido
processo de integração de sociedades, pessoas, países e valores.
José Mário Sousa

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