O que se passa realmente na Coreia?
A resposta a esta questão é meramente especulativa, certo é que algo aconteceu para que, em poucos meses, a Coreia tenha dado uma volta de 180 graus, principalmente por parte da Coreia do Norte. Todas as ações do seu líder, Kim Jong-un, pareciam querer reacender a chama do conflito. Agora assegura que “vai ser possível disfrutar da paz e prosperidade sem ter medo da guerra”. Será que o mundo vai conseguir aproveitar o momento de paz há tanto ansiada? Será o primeiro passo para uma Coreia unida?
Desde 1950, data em que estalou o conflito entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que uma possível ‘reconciliação’ parecia impossível aos olhos do mundo, mas a verdade é que no passado dia 27 de abril, o impossível aconteceu e do encontro entre os presidentes da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e da Coreia do Norte, Kim Jong-un, resultou uma declaração conjunta em que ambos se comprometem a desnuclearizar a península como um todo, a desenvolver relações bilaterais e ainda a envidar esforços para alcançar a paz. A Coreia do Norte também vai mudar o seu fuso horário ficando igual ao do Sul.
Pyongyang poderá ter anunciado a sua própria desnuclearização dado que Seul não detém qualquer arma atómica, com a contrapartida de ver salvaguardada a sua segurança com a não existência de ameaça nuclear. No entanto, como é que uma decisão destas é tomada por alguém que há poucos meses assombrava o mundo com um cenário apocalíptico? Os desenvolvimentos recentes surgem após mais de um ano em que Pyongyang escalou a ameaça à estabilidade regional para a Coreia do Sul e para o Japão. Isto para não falar da troca de insultos e ameaças entre Kim Jong-un e Donald Trump que nos faziam pensar que estaríamos perante uma III Guerra Mundial dentro de pouco tempo.
O líder da Coreia do Norte comunicou, semanas antes do anúncio de desnuclearização, que não iria realizar mais testes nucleares ou lançar mísseis intercontinentais e que iria desmantelar Punggye-ri, local utilizado para os testes nucleares. A verdade é que o local em si estava a ficar impróprio à realização de mais testes e talvez seja por isso mesmo que Kim Jong-un anunciou o seu desmantelamento, aproveitando para deixar uma boa imagem, porque provavelmente, só está a desmantelar Punggye-ri porque se tornou inútil. Em cima da mesa está também a hipótese do líder norte-coreano estar a usar a aproximação à comunidade internacional para ganhar tempo enquanto constrói um novo local de testes nucleares.
De qualquer forma os primeiros passos foram dados, mas serão apenas para reduzir as tensões que se estavam a acentuar ou o objetivo é mesmo alcançar a paz? E será que aquilo que depreendemos do encontro entre os dois líderes é o que verdadeiramente significa, ou será que nos limitamos a idealizar algo que tanto esperávamos ouvir? Kim Jong-un nunca falou diretamente na desnuclearização da península, já Moon Jae-in falou em desnuclearização faseada, algo um pouco diferente da primeira impressão com que ficamos aquando o encontro entre os dois.
De acordo com um inquérito, realizado junto da população sul coreana, publicado pela Yonhap, uma agência de notícias da Coreia do Sul, 64,7% dos inquiridos acreditam que o país vizinho tem mesmo a intenção de desnuclearizar o território e alcançar a paz. Mas até que ponto isto não reflete o enorme desespero que os cidadãos sentem e seja apenas a voz da esperança a falar?
As reações da população têm sido um misto de esperança e desconfiança. Foram anos a viver uma realidade de conflito latente, a temer o futuro e um possível cataclismo. De repente, são anunciadas decisões inesperadas, completamente opostas ao que até então se tinha vivenciado.
Há, no entanto, alguma controvérsia relativamente ao que desnuclearização significa. Se para Washington significa que Pyongyang vai desmantelar as suas armas nucleares, para Pyongyang, significa que ambos os lados vão dar passos no sentido de por fim às armas nucleares e aos sistemas de mísseis, e que os EUA terão de desmantelar o “guarda-chuva nuclear” com que protegem o Japão e a Coreia do Sul. Claramente que Kim Jong-un não poderia mudar radicalmente a sua posição e a sua política sem qualquer restrição que o protegesse e precavesse.
Entre muitas outras questões, voltemos à questão inicial. O que poderá ter acontecido? Terá sido a pressão económica que Donald Trump e Pequim colocaram sobre a Coreia do Norte ou estará Kim Jong-un à espera para jogar uma cartada inesperada? Pouco tempo antes Pyongyang afirmava deter um ‘programa completo de forças nucleares estratégicas’, talvez isso tenha mudado drasticamente o balanço de forças e Kim-Jong un queira apenas ganhar tempo e afastar a Coreia do Sul dos Estados Unidos. O certo é que o encontro entre os dois dirigentes reduziu, claramente, as tensões. Mas até quando?
O interesse rege sociedades e é-nos mais que óbvio que a Coreia do Norte precisa de dinheiro. Uma imagem de encantador, com vontade de mudar, de pacificador é o que mais convém a Kim Jong-un neste momento, talvez assim as Nações Unidas cancelem as sanções aplicadas e, quem sabe, aumentem o seu financiamento. Kim Jong-un é pragmático, se assim o podemos chamar, desde que esteja bem e seguro e que as coisas sejam feitas de acordo com a sua vontade, não tem qualquer problema em mudar drasticamente a sua política. Estará esta mudança radical de política relacionada com as sanções que a economia da Coreia do Norte poderá vir a sofrer por parte das Nações Unidas? Terá sido a influência da China ou o discurso belicista de Donald Trump? O mais importante é que parece que estas sanções e a pressão económica estão a surtir efeito, esperemos é que não desenrole outro desfecho ainda pior àquele que temos vindo a assistir.
Ainda assim, o progresso nas relações entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul parece possível, mas de forma lenta e gradual. No entanto se Donald Trump se convencer que Kim Jong-un se prepara para desistir do seu programa nuclear sem mais nem menos, será meio caminho andado para o desastre destas ‘cimeiras de paz’.
Ficam muitas perguntas no ar, muitas delas a aguardar ansiosamente por uma resposta. Quando é que Pyongyang se irá desfazer das armas nucleares? Qual o futuro relacionamento entre os dois países? Será que estamos a caminhar para a paz entre as Coreias? Terá Kim Jong-un outro plano em mente? Poderá o cenário tornar-se ainda mais devastador?
Lara Almeida
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