Muito
se fala nos media da situação
complicada que se vive na Síria, que assiste a uma guerra civil que tem
arrasado o país desde 2011. Nos noticiários televisivos, o destaque em termos
de política internacional é quase sempre este conflito que dura há 7 anos. É
verdade que a guerra na Síria tem sido a mais mortífera dos últimos anos, e não
se pode ignorar um conflito que desde o seu início já provocou centenas de
milhares de mortos, incluindo 39.000 só no ano passado e 12.000 já este ano,
além dos mais de 6 milhões de refugiados, segundo dados da ONU. Mas, tal como
não se deve ignorar a Síria, também não nos devemos abstrair de realidades
semelhantes, que assolam outros países.
É
o caso do Iémen. A Guerra Civil do Iémen que dura desde 2015, já provocou mais
de 19.000 mortos, cerca de 7.000 dos quais só este ano. Para compreender melhor
o que se está a passar neste país do Médio Oriente, convém entender a sua
história, a sua importância geopolítica e as suas características demográficas.
A
região que hoje compõe a República do Iémen, no sudoeste da Península Arábica,
foi governada durante séculos por sucessivas dinastias. Mais tarde, no início
do século XX, a região norte encontrava-se controlada pelo Império Otomano, enquanto
o Império Britânico detinha a região sul. Após a I Guerra Mundial, em 1918, com
o fim do Império Otomano, o Iémen do Norte torna-se independente, primeiro como
um reino e, em 1970, torna-se uma república. Já o Iémen do Sul foi um
protetorado britânico até 1967, quando ganhou a independência, tornando-se em
1970 num estado marxista. A reunificação iemenita ocorreu em 1990.
O
Iémen é um país profundamente marcado por variados conflitos bélicos e por um
regime autoritário. Viveram-se guerras civis tanto no Norte como no Sul, e mesmo
já depois da reunificação como no fatídico ano de 1994. Além disso, o país foi liderado
de 1990 a 2012 por Ali Saleh, presidente que chefiou um regime onde o nível de
corrupção era elevado e a democracia se esfumava com o passar do tempo. Por
tudo isto, o Iémen é o país mais pobre e menos desenvolvido do Médio Oriente.
Depois
da Primavera Árabe e de uma tentativa falhada de se entronizar no poder através
da eliminação do limite de mandatos, Ali Saleh abandona a presidência em 2012 e
o Iémen mergulha numa crise política. Num país onde existe uma divisão entre a maioria
de muçulmanos sunitas e a minoria significativa de xiitas, a crise política
fomentou o clima ideal para o surgimento de mais uma guerra civil. Em 2014, os
Houthis, um movimento xiita extremista, levaram a cabo um golpe de Estado contra
o Presidente Abdrabbuh Hadi e tomaram o poder na capital Saná. A guerra civil
começa um ano depois com a intervenção militar da Arábia Saudita e das forças
leais a Hadi com o objetivo de combaterem o governo dos Houthis, apoiado pelo
Irão.
Esta
é uma vertente muito importante deste conflito, mas também da guerra na Síria e
no Iraque, e da crise política no Líbano. É a guerra fria entre a Arábia
Saudita e o Irão. São as duas principais potências do Médio Oriente, e querem
ter a maior influência possível sobre a região. De um lado, a Arábia Saudita a
ser “porta-estandarte” dos sunitas, do outro o Irão, dos xiitas. Portanto, não
se tratam apenas de guerras civis, mas de algo mais abrangente. Não se trata
apenas dos iemenitas, dos sírios ou dos iraquianos lutarem pelo poder no seu
país, mas também dos interesses estratégicos geopolíticos das duas grandes
potências do Médio Oriente.
Mas
há ainda mais interesses envolvidos. Além dos jogos de poder dos sauditas e
iranianos, que apoiam militarmente e financeiramente forças sunitas e xiitas
respetivamente, estão também em causa os interesses das duas potências mundiais:
os Estados Unidos e a Rússia. Por um lado, os EUA sempre apoiaram militarmente
a Arábia Saudita, arrecadando biliões de dólares na venda de equipamento de
guerra, tanques e aviões por exemplo, para os sauditas. Por outro lado, o Irão
goza neste momento de apoio político dos russos e de apoio militar na Síria. Tal
não será por acaso. Tal como as potências do Médio Oriente pretendem o controlo
da região, também os EUA e a Rússia a querem na sua esfera de influência, dada
a sua importância em termos económicos e na luta contra o terrorismo.
A
situação em que o Iémen se encontra após três anos de guerra é trágica. A
guerra veio abalar as perspetivas de futuro de um país já de si pobre e
parcamente desenvolvido. O bloqueio económico encabeçado pela Arábia Saudita ao
Iémen levou a uma situação de fome no país que já vitimou 50.000 crianças
segundo a Associated Press, e que deu origem a um surto de cólera que já dura há
um ano e meio. Dados da OMS confirmam mais de 600.000 casos e indicam que
existe mais de 1 milhão de casos suspeitos, tendo até agora vitimado mais de 2.000
pessoas.
A
guerra no Iémen envolve muitos interesses, sendo eles económicos, geopolíticos
e religiosos. Tem o contributo, mais ou menos visível, das potências regionais como
a Arábia Saudita e o Irão, e de potências mundiais, como a Rússia e os EUA. A
importância de observar a Guerra Civil do Iémen não se esgota aqui, no entanto.
Trata-se de um acontecimento que está a destruir um país já de si arrasado por
conflitos e extremismos, caraterizado já de si pela pobreza e o baixo
desenvolvimento, e que irá atrasar o seu desenvolvimento futuro e limitar as
oportunidades de crescimento e melhoria da vida dos seus cidadãos, numa
conjuntura económica de recuperação da grande crise de 2008 e de cada vez maior
globalização, da qual o Iémen podia tirar partido.
Por
tudo isto, não nos podemos esquecer desta guerra. É preciso estar atento não só
à Síria e ao Iraque, mas também ao Iémen. São conflitos que afetam dezenas de
milhões de pessoas e obrigam-nas a fugir do seu país, muitas vezes para
encontrar um ambiente igualmente hostil na Europa. E, por oporem potências
regionais e mundiais, mesmo em clima de guerra fria, podem ser uma antecâmara
de algo de maior dimensão. Nunca se sabe. Se a I Guerra Mundial começou com uma
simples invasão da Sérvia pela Áustria-Hungria e a II GM com uma simples
invasão da Polónia pela Alemanha, esta simples intervenção militar da Arábia
Saudita pode acabar por levar a algo maior.
Francisco Centeno



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