É incrível como tanto pode mudar em tão pouco tempo.
Há 44 anos, lutava-se por liberdade, combatia-se pelo direito a manifestar
opinião e um dos luxos mais exorbitantes era o acesso ao conhecimento. Em
Portugal, a revolução de 1974 abriu pela primeira vez as portas ao pensamento
crítico e à liberdade de expressão.
Contudo, a meu ver, a rapidez deste processo de
emancipação provocou alguns efeitos nocivos e indesejados. Infelizmente, é da
natureza humana tomar por garantido aquilo que tem, deixando de lhe dar o
devido valor.
Dirijo-me em especial à minha geração. Muitos de nós,
como é o meu caso, têm pais que queriam ter prosseguido os estudos, mas que
apenas concluíram a quarta classe obrigatória e foram obrigados a trabalhar a partir
de tenra idade.
Vejamos o exemplo da educação. Antigamente era vista
como um privilégio. Só quem provinha de uma família abastada tinha acesso a
formação. Hoje em dia, ir à escola é encarado como um trabalho indesejado que
ninguém quer fazer. Para uma grande parte, é como estar numa prisão das oito às
seis a ouvir informação que mais tarde será esquecida.
Os livros tornaram-se em algo cada vez mais vintage e antiquado. Reality shows têm cada vez mais
audiências, apesar de toda a sua qualidade deplorável. Até o conhecimento
autodidata é algo raro. Mais depressa encontramos um cinema cheio se o filme
for mainstream do que uma biblioteca
lotada se um prestigiado autor apresentar a sua mais recente magnum opus pela primeira vez.
Entristece-me dizer tal coisa receando parecer
elitista. A realidade é que não é meu intuito colocar à margem e apontar o dedo
a quem não quer saber mais, mas sim tentar abrir os olhos de quem parece estar
adormecido. Há tanto para descobrir!
A verdade é que, se por um lado nunca foi tão fácil o
acesso à informação, nunca foi tão pouco o interesse demonstrado nela.
Caminhamos para uma esfera perigosa em que a falta de conhecimento é
generalizada. O clássico “Fahrenheit 451” parece um presságio. Num clima assim,
a eloquência torna-se mais possante e o ouvinte mais fácil de persuadir.
Na roleta russa da retórica, é importante que a pessoa
errada não pegue na arma, não vá o tiro atingir ainda mais uma sociedade que
por si só já está de rastos.
Francisco Carneiro
Belíssimo retrato daquilo que é também a minha geração. Não há nenhuma linha de que discorde.
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