Há momentos em que nos questionamos se nos vamos
arrepender ou não de ter uma mente aberta! Um deles foi quando tive a ideia de
assistir ao filme “Call me by your name”,
vencedor do Óscar para melhor roteiro adaptado em 2018. Como acredito que nos
devemos colocar constantemente em situações inesperadas e diferentes da rotina
a fim de nos desenvolvermos pessoalmente, decidi assistir a um filme com um
enredo homo afetivo. Por que não? Ainda por cima, uma fonte de confiança
tinha-me assegurado que não haveria cenas sexuais explícitas ou, como eu gosto
de chamar, “poucas vergonhas”. E são “poucas vergonhas” independentemente de
serem homo afetivas ou não!
Em primeiro lugar, acho que é importante descrever brevemente
o enredo. No nordeste de Itália, reside uma família com um filho adolescente,
Elio. O pai é um arqueólogo de profissão que acolhe estudantes estrangeiros em
regime de intercâmbio. Ora, este ano, o estudante é um judeu americano, “outgoing” e culto. Oliver. A relação entre as duas personagens principais do
filme, Elio e Oliver, desenvolve-se e evolui por solavancos, entre avanços e
recuos. De meros conhecidos até amigos coloridos, digamos assim, notamos o
conflito interior do adolescente face ao que está a começar a sentir pelo
americano e como isso impacta a relação entre os dois. De facto, há muito para
dizer acerca do filme: dos seus simbolismos, da paisagem maravilhosa daquela
pequena vila italiana, da experiência subjetiva das personagens, etc. Todavia,
o foco deste artigo é outro.
Um “gajo” como eu, que se identifica como
heterossexual — apesar de não gostar de rótulos como este, uma vez que nos
limitam — e que sempre se sentiu atraído exclusivamente por mulheres, não se
consegue colocar facilmente no lugar daqueles que possuem uma orientação sexual
não normativa. De facto, certas cenas do filme, ainda que só levemente sexuais
entre os dois personagens, causaram-me estranheza e, diria até, um pouco de desconforto
e desagrado. Tal não tira legitimidade a ninguém para fazer o que bem desejar e
entender. Acho que a falta de empatia e de capacidade de discernimento são as
principais causas para que aquilo que nos é diferente e nos faz confusão seja
imediatamente recriminado e julgado. Só por achar que os homens são criaturas
sem graça, brutas e quadradas, e com pelos; e que as mulheres são deusas que
caminham na Terra, sensíveis e frágeis, elegantes criaturas, não implica
necessariamente que todos os homens tenham de nutrir semelhantes sentimentos. É
esta crença básica, mais o desconforto que ainda é provocado pelas relações
homossexuais na nossa sociedade, que alimentam bastante este género de
preconceito.
Certa vez li um livro de história sobre a época do
império greco-romano. E nesse tempo, a homossexualidade era bastante comum e os
amantes eram transacionados a peso de ouro! Por que é que estou a dizer isto?
Esta referência histórica é só mais um exemplo que a homossexualidade é um
fenómeno já muito antigo mas que ainda assim desperta tantos preconceitos,
violência e rejeição social. Porquê? Deixo-vos esta pergunta.
Mesmo Elio, sentindo o que estava a sentir por Oliver,
não se aceitava e aparentava ter algum preconceito. Tal é evidenciado aquando
da sua atitude pejorativa quanto ao casal “gay” convidado pelos pais para um
jantar. Não sei o que esse sentimento é, mas sentirmo-nos recriminados por algo
que vivenciamos profundamente, que não podemos mudar e que faz parte de quem
nós somos, deve ser angustiante e frustrante. É como se fosse um constante
autoflagelo interior. Um grito interior que ninguém ouve, porque é solitário.
Tal como o pressuposto liberal diz: a liberdade de um
acaba onde a liberdade do outro começa. Não violando esta regra de ouro, porque
é necessária a preocupação com o que as pessoas fazem umas com as outras na sua
intimidade?
O que “Call me
by your name” evidencia é que o relacionamento entre duas pessoas é
passível de se metamorfosear e evoluir para direções que não podemos
categorizar rapidamente. A teoria de Dawkins dos “memes” socias pode explicar como, eventualmente, crescerá a
aceitação geral dos relacionamentos não normativos. Não cabe a este artigo
explicitar esta teoria, contudo, em traços breves, conclui que, tal como os
genes, os “memes”, i. e.,
preconceitos e tradições, nascem, reproduzem-se e sofrem mutações consoante as
alterações do meio ambiente natural e socioeconómico. No seguimento deste
raciocínio, os “memes” associados aos
preconceitos de cariz sexual não resistirão, provavelmente, à pressão da
seleção natural imposta pelas mutações tecnológicas e económicas das nossas
atuais sociedades!
Alex F. Alves
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