“Coitadinho do Tiraninho!
Não
bebe vinho nem sequer sozinho...
Bebe
a verdade
E
a liberdade,
E
com tal agrado
Que
já começam a escassear no mercado.
Coitadinho
do Tiraninho”
Fernando Pessoa
“Pergunto ao vento o que passa
notícias do meu país
o vento cala a desgraça
o
vento nada me diz”
Manuel Alegre
Versos de Manuel Alegre e
Fernando Pessoa que podiam ser de Sophia de Mello Breyner , Miguel Torga, Alexandre
O’Neill e outros tantos que, não sendo oficiais para recorrer a armas de fogo
ou de cravos, viraram as suas minuciosas e poderosas penas contra o Estado
Novo, e contra o seu principal engenheiro – António de Oliveira Salazar. Palavras
de Alegre e Pessoa, que inauguraram este artigo, são de um Zé Povinho amordaçado,
nas antípodas de pessoa alegre ou alegre pessoa, até porque os dois poetas
foram condicionados pela censura.
Mas vamos ao busílis do
artigo, ou seja, a uma dissecação aprofundada e factual da atuação de Salazar
enquanto Ministro das Finanças e, posteriormente, Presidente do Conselho. Para
isso temos que analisar este regime numa perspetiva económica e numa perspetiva
social, uma dicotomia que gera opiniões diversas acerca
dos tempos ditatoriais.
Mas afinal como surgiu
este regime? Porque foi tão bem recebido e acolhido inicialmente? Bem, durante
a 1ª República ou 100ª Anarquia, Portugal atravessou um dos seus maiores
flagelos da história. A situação era caótica. A economia estava profundamente
dependente das importações de matérias primas e produtos manufaturados,
assistindo-se, consequentemente, a uma baixa produtividade e taxa de
desemprego. Não obstante, a constante fragilidade e instabilidade governamental
não auxiliam na projeção de medidas de médio longo prazo.
Surge Sidónio Pais,
Presidente Rei, como lhe apelidou Pessoa, salvador para as pessoas, que incute
a ordem necessária à Nação, deixando de ser uma república “parlamentarista”,
para dar lugar a uma república “presidencialista”, uma “Nova República”, como
foi designada. No fundo, o “Sidonismo”,
concentrava os poderes no Presidente da República, para evitar governos contracorrentes de semanas
ou meses, com um incessante controlo naqueles que lhe poderiam fazer frente.
Um facto curioso é que o
alvo de repressão não era a população, que desde mais o admirava, mas sim os
partidos republicanos com aspirações ao poder e ao regresso da era dos sucintos
governos promíscuos. Acabou por entregar a pasta de diversos ministérios a
monárquicos, católicos e republicanos, simbolizando a união e unidade de
Portugal. A sua vida sucumbiu perante a pressão dos partidos republicanos e da
pobreza despoletada pela 1º Grande Guerra, acabando por ser assassinado. Momentos
antes de ser recebido pelos Deuses
do Olimpo sentenciou: “Morro bem, salvem a pátria”... Salazar e Carmona
reviram-se nessa frase e aplicaram o Sidonismo de uma forma mais severa, séria,
com o intuito de dar frutos (ou cravos) no futuro, tal como se vinha assistindo
em vários pontos da Europa. Em nome de Pais, de Carmona e Oliveira Salazar... Ámen.
Contextualizado o leitor
com a verdadeira origem do Estado Novo em Portugal, passemos ao que importa, começando
com uma análise económica... vamos a números, não a tentativas de implementação
de qualquer ideologia fascista ou argumentos sem arquétipos de sustentação: no
dealbar da sua atuação, mais precisamente em 1928, após uma 1ª República
babélica e na ressaca de uma Guerra Mundial, o PIB regista um excedente de
pouco mais de 1,5%, aumentando a receita e estabilizando a despesa. Mais...
entre 1953-1973 regista-se um forte crescimento do PIB real (em comparação aos
restantes países da OCDE), e constata-se em 1961, 1971 e 1972 taxas de
crecimento acima dos 10%, atualmente contentamo-nos com o nosso 1%!! Não
obstante, a dívida pública (em % do PIB) que desce dos 40% para os 20%,
alcançando mínimos históricos; em 2016, a nossa dívida pública atual rondava os
130%.
Isto sim é governar um
país, mas o objetivo não é esse... o grande objetivo de um bom governante é
governar Portugal, e para Portugal! Taxas de crescimento, dívida pública,
despesas... isso é relevante, quanto muito para os impostos ou novas infraestruturas;
agora, sentimento não é manipulado com números... já diz o povo: “quem não
sente não é filho de boa gente”!
Salazar esqueceu-se que o
verdadeiro braço direito de um governante é o povo. Apenas se lembrou de um
dedo. O dos empresários. Para eles, o Presidente do Conselho foi um heroí,
adotando uma política de fomento na construção de fábricas, infraestruturas,
criação e desenvolvimento de bancos e impérios, verdadeiramente portugueses.
Aliás, muitas dessas fábricas, ainda hoje mantêm o escudo português do Estado Novo,
recordo as conservas Minerva, e muitas delas fecharam, com a abertura dos
mercados externos e com o fim da ditadura, como o caso dos Chocolates Regina.
Agora, como diria Camões,
ele próprio censurado 400 anos depois, “Pode o vil interesse e sede imiga/ Do dinheiro,
que a tudo nos obriga”. Efetivamente, os grandes empresários a quem Salazar
tanto ajudava, com concessões, explorações, curiosamente, detinham o monopólio
da comunicação social, como os jornais, revistas... Agora não venham os “velhos
do Restelo” dizer, que em troca dessas “benesses”, o governo tinha assegurado a
sua imagem nos diversos artigos frívolos. Não se acrescente nem mais uma
palavra a esta tese infame.
Outro facto interessante
é o da emigração. É um facto que a emigração no Estado Novo era proibida.
Contudo, no comboio “Sud Express” chegavam
diariamente centenas de portugues clandestinos e indocumentados à Gare de
Austerlitz, em Paris. É um facto! Será que a PIDE não teria conhecimento desses
emigrantes clandestinos? Será que o Estado Novo tinha algum interesse na
emigração da classe menos produtiva nacional, dos porteiros e pedreiros como ficaram
conhecidos?
Humberto Delgado tenta
apelar a este povo esquecido, amordaçado, chicoteado. Junta uma das maiores
enchentes no Porto, com cerca de 200 mil pessoas, que são brindadas com
agressões da GNR. O “General sem medo”, como ficou conhecido, acabou por ser
encontrado enterrado com a sua secretária, pouco depois, num descampado em
Badajoz. Pobre Salazar, herói da nação, enfrentado por um reles oficial que,
sabe-se lá porquê, reuniu tanta gente afeta ao Estado, quando nem sequer é
digno de comparação com o estadista.
Nem ele, nem Afonso Henriques, que num desses cartazes de
propaganda, dá corpo ao novo “salvador da pátria”, que não tendo este
combatido em Ourique ou no Ultramar, ordenou a partida de
milhares de portugueses para África defender os interesses lusitanos, o que
extravasa quem vai na frente de combate sujeito a todo o tipo de atos
atentatórios que uma guerra despoleta.
Foram as ordens, mandaram-se os jovens. Estes sujeitos
a regressar num caixão, se Deus lhes concedesse esse privilégio, ou
então nem a regressar, apenas não teria a fecunda propaganda fascista o
prazer de divulgar cartazes como “Angola é nossa” ou “Portugal não é
um país pequeno”, comparando o tamanho das colónias com a Europa, com
perdão da anacrónica voz.
Tudo isto são factos, basta pesquisar e cada um tira as suas conclusões.
Uma coisa tenho a certeza, não foi na escola, que a imagem de Salazar foi
deteriorada… aliás, quem viveu nesse tempo e ouviu a doutrina fascista, a
mocidade, a legião, não critica a sua atuação?
Para quem o acha racional, compreendo e concordo, em certa
medida, mas foi racionalmente irracional ao esquecer a sua sustentação, o seu
combustível de governação – a população. Agora, não vamos tentar embelezar a
sua atuação com os números, numa indesejada tentativa de ressuscitação do ancestral
adágio… Para quem o queira lembrar, cumpra a sua vontade: “Chorar os mortos se
os vivos não os merecerem”, não é verdade Senhor Salazar?
Duarte Brito
(Jornal Fepiano, N.º 33, Maio 2018, págs. 12-13)
Duarte Brito
(Jornal Fepiano, N.º 33, Maio 2018, págs. 12-13)

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