Se Kundera e Nietzsche tivessem tido oportunidade de
tomar um café e conversado sobre a vida, o resultado teria sido provavelmente
algo semelhante à “A insustentável leveza do ser”. Por essa razão alerto desde
já para a minha incapacidade, enquanto mera mortal, de fazer jus ao que é
provavelmente a obra-prima de Milan Kundera. Não obstante, aqui ficam algumas reflexões.
O que torna este livro único é a sua capacidade de
juntar filosofia, política e história num único romance. Partindo do conceito
de Eterno Retorno, de Nietzsche,
passando pelo Existencialismo, de Sartre,
até à filosofia pré-socrática, de Parmênides, Kundera explora a
complexidade do ser humano. À vertente filosófica e altamente refletiva
junta-se o pendor histórico e político que serve de pano de fundo ao romance.
Toda a narrativa se desenrola entre 1968 e 1980, período da Primavera de Praga,
em que a União Soviética invade a Checoslováquia. É nesta conjuntura conturbada,
que se desenrola a ação das quatro personagens do romance: Tomas, Tereza,
Sabina e Frank.
Tomas, médico prestigiado, vive numa busca incessante
por aquilo que diferencia uma mulher de outra. Uma procura que o faz ser infiel
à sua própria mulher, Tereza. Sabina é amante de Tomas e Frank, uma eterna
perseguidora da liberdade e da leveza. Leveza que se descobre insuportável ao
longo da história de cada um. Mesmo o amor, força capaz de mobilizar todas as
personagens, não passa de um conjunto de coincidências – seis no caso de Tomas
e Tereza.
O romance centra-se na dicotomia peso/leveza, a única
irresolúvel de acordo com Nietzsche. Este exercício de separar o universo em
pares contrários foi proposto por Parménides no século VI a.C. Segundo este
filósofo, o universo divide-se em pólos positivos e negativos: luz/obscuridade,
quente/frio, ser/não ser. Nietzsche afirma que Parménides tem razão, exceto num
caso: na contradição peso/leveza, qual é o pólo positivo? Instintivamente associamos
o peso como negativo e a leveza como positiva, mas não pode a leveza ser
insustentável e, deste modo, negativa?
É após uma breve exposição deste dilema que Kundera
começa a sua narrativa. Cada personagem representa um pólo de leveza - Tomas e Sabina - ou de peso - Tereza e Frank -, porventura na tentativa de responder ao desassossego
filosófico aparentemente irresolúvel.
Regressando à ideia do Eterno Retorno, a vida é o rascunho de si própria. Por isso, não
podemos testar diferentes opções, o que torna cada escolha mais pesada, mas
também não podemos esperar não cometer erros num rascunho: o que torna tudo
mais leve. Kundera mostra a insignificância da vida e, deste modo, a sua
leveza. Uma leveza perigosa, mas inevitável.
Como é habitual, Kundera não se limita a contar uma
história. Kundera questiona e reflete sobre as inquietações da vida humana e
faz-nos viajar com ele. Por essa razão, a narração não tem uma ordem
cronológica e é várias vezes interrompida por comentários do autor sobre as
mais diversas temáticas. É um ótimo livro para aprender mais sobre aquilo que
não fazíamos ideia que gostaríamos saber.
Num
tom libertador, tão típico deste autor, deambulamos pela história das
personagens que vêem a sua vida condicionada pelos acontecimentos políticos.
Contudo, as grandes reflexões que
esta obra nos propõe não são apenas sobre a conjuntura política, mas sim, principalmente,
sobre a
existência, a liberdade, o amor e a individualidade. Conceitos que estão
inevitavelmente presentes na natureza humana, independentemente das circunstâncias.
Mariana Esteves
Comentários
Enviar um comentário