A
República Popular da China, país asiático com cerca de 1,4 mil milhões de
habitantes é a próxima grande potência global. Já é algo inevitável. A China
está presente em tudo. Seja no computador onde escrevo, seja no meu indispensável
“smartphone”, seja na roupa que visto,
tudo tem marca chinesa. Até a eletricidade que consumo neste momento é fornecida
por uma empresa de capital chinês. Uma outra curiosidade sobre este país: não é
um estado democrático.
Afinal,
no que reside o seu “sucesso”? Parte pode ser atribuído ao regime que por lá
vigora. Uma ditadura de partido único, o Partido Comunista Chinês, controla praticamente
tudo, desde a economia às comunicações, com a “internet” e a informação
extremamente restringidas. Este controlo absoluto traz consigo uma grande
eficiência. Sendo a China um regime onde o partido no poder é sempre o mesmo, a
política pode ser pensada a longo-prazo, ao contrário dos países democráticos, nos
quais é a política de curto-prazo que permite ganhar eleições. Esta caraterística
tem-se vindo a acentuar ainda mais com Xi Jinping e a recente eliminação do
limite de mandatos que lhe permite perpetuar o poder.
A
China teve, nos últimos anos, uma situação de elevado crescimento económico, algo
que lhe é reconhecido por todos. Devido a isso, não é de estranhar que Xi Jinping
goze de uma elevada popularidade. É, pelo menos, o que parece, tirando um ou
outro caso de protestos, maioritariamente em Hong Kong, região chinesa que goza
de um estatuto político e económico especial e que teme perder essa autonomia
para o governo de Pequim. Na verdade, não há muitos incentivos a protestar
contra o líder chinês. Infelizmente, os opositores não têm, digamos, vida fácil.
Basta
lembrar o Nobel da Literatura e ativista pelos direitos humanos, Liu Xiaobo, crítico
do regime, que recebeu o prémio durante a sua quarta pena de prisão, ou a constante
perseguição de ativistas tibetanos. Nem o poder escapa, como o demonstra a purga
de pelo menos 120 pessoas das mais altas instâncias do estado chinês acusadas
de corrupção. É uma medida que, sendo correta, é também populista pois Xi
Jinping tem a intenção de afastar as atenções da falta de liberdade e de
direitos humanos que vigoram na China.
A
verdade é que a China está a ganhar terreno no
panorama político e económico internacional. Isto pode não constituir uma boa
notícia para os amantes da democracia, como eu, numa altura em que cada vez
mais se fala de populismos e extremismos ideológicos. No entanto, não é só na
China que o crescimento económico caminha lado a lado com um regime populista e
com restrição das liberdades. Acontece também noutros países, alguns dos quais
com importância no contexto geopolítico mundial.
Um
desses casos é o turco. O atual Presidente turco é Recep Tayyip Erdogan,
anteriormente Primeiro-Ministro, eleito por três vezes – em 2002, 2007 e 2011 -,
vencendo com percentagens crescentes, e tendo conseguido em 2011 cerca de 50%
dos votos para o seu partido, o conservador AKP. Depois de ter sido Primeiro-Ministro,
Erdogan foi eleito Presidente da Turquia em 2014 e logo surgiram notícias de supostas
fraudes eleitorais cometidas pelo seu partido. Além disso, houve igualmente uma
alteração constitucional que transformou a Turquia numa república
presidencialista. O referendo constitucional de 2017 aboliu o cargo de Primeiro-Ministro,
ficando Erdogan à frente da Turquia como Presidente com poderes executivos. Uma
vez mais houve acusações de fraude eleitoral, e diversos observadores afirmaram
que o processo eleitoral não decorreu segundo os padrões internacionais.
Tal
como no caso anterior, o tempo de Erdogan no poder tem sido caraterizado por
uma melhoria económica significativa,
particularmente por terminar com a hiperinflação e por reduzir o rácio da
dívida turca em relação ao PIB. Erdogan também abraçou o populismo, com
ideais neo-otomanos, através da
promoção da cultura prevalente no tempo do Império Otomano e da expansão
da influência para zonas outrora parte do Império. Fê-lo igualmente com
atitudes hostis perante a comunidade
académica, alterando o programa escolar para promover os ideais neo-otomanos afastando
assim os ideais ocidentais, proibindo livros e condicionando o pensamento.
Há
igualmente situações de repressão. Os ativistas pelos direitos dos curdos,
minoria étnica na Turquia, são constantemente perseguidos e acusados de
atividades denominadas terroristas. Os críticos, nomeadamente a imprensa, são
reprimidos . É disso exemplo a prisão de jornalistas do “Cumhuriyet”, conotado com
o movimento secularista e com o centro-esquerda, e o fecho do “Zamat”,
inicialmente apoiante do AKP mas que vinha a ser progressivamente mais crítico
de Erdogan. E, além do controlo cada vez maior sobre a imprensa, também a
“internet” foi restringida. Neste caso em concreto, pelo bloqueio do acesso dos
seus cidadãos ao site “Wikipedia”, em abril de 2017. Assim, a perceção dos
turcos, tal como a dos chineses, pode começar a ser diferente da realidade.
Um
outro caso é o egípcio. O Egito tem vindo a viver tempos conturbados nos
últimos anos. Depois de mais de 20 anos de ditadura de Hosni Mubarak, a
revolução de 2011 prometia pôr um fim ao autoritarismo que vigorava no país. Assim
esperava a multidão de egípcios que se manifestava na Praça Tahrir. No entanto,
as suas expetativas saíram goradas. As eleições de 2012 foram ganhas por
Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, que rapidamente tomou medidas para
aumentar os seus poderes, nomeadamente de legislação, além de reprimir a
imprensa.
Assim
se plantaram as sementes para a nova troca de cadeiras no poder do Egito, o que
viria a acontecer com o golpe de estado em 2013. Após um período de governo de
transição onde era Primeiro-Ministro, sobe então à presidência o Marechal Abdel
Fattah el-Sisi, após eleições em maio de 2014, que vence com uns
impressionantes 97%. Em 2018 repete a vitória, conquistando novamente 97% de
votos dos egípcios. Sisi goza de uma popularidade sem igual nos mandatos de Mubarak e Morsi, pelo menos, assim
aparenta.
Desde
que Sisi está no poder, inúmeros membros da Irmandade Muçulmana, organização
que apoiou Morsi, foram presos e subsequentemente torturados e/ou mortos. Esta
medida populista pode ter contribuído para aumentar a sua popularidade. Tudo
isto apesar das impopulares reformas económicas, que envolveram aumentar o
preço do petróleo, cortar subsídios e aumentar impostos. A verdade é que a
situação económica e financeira egípcia, que estava numa situação complicada,
recuperou, permitindo a Sisi manter um certo estado de graça, mesmo com
situações de violação de direitos humanos.
Gostava
que este século fosse um século de democracia. Aquando da Primavera Árabe tinha
tudo para assim ser. No resto
do mundo, nas democracias e não só, é preciso lembrar que a China é uma potência, mas a sua qualidade de vida
não é o que poderia ser. Também é preciso lembrar que a situação
económica na Turquia e no Egito está melhor, mas que não há liberdade de expressão
nem de associação. E as pessoas podem acabar por se cansar. Há algum regime que
dure para sempre? A China, por exemplo, tem 1.400 milhões de pessoas. É a
matemática que o diz. Mesmo que
haja um líder poderoso, 1.400 milhões será sempre maior que 1.
Francisco Centeno

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