Falar
de arte é importante num país que se viu privado da mesma por longos períodos
da sua história. Conformamo-nos a viver numa pátria que foi obrigada a aceitar
pôr de parte a sua identidade, os seus talentos e as suas diferenças.
Os
artistas são alguns dos melhores embaixadores de um país, e é a partir da
consumação e desenvolvimento das suas artes que uma nação ganha a sua voz e
fala ao mundo.
O
mundo das artes não se consagra e se reflete apenas nas artes do espetáculo.
Passa, também, por outras como as artes plásticas ou a arte digital. Não
obstante, o testemunho que se segue concentra-se numa destas sublimes formas de
expressão: o teatro.
No
dia 27 de março comemorou-se o Dia Mundial do Teatro. Essa expressão de arte
milenar contribui, nas palavras do Diretor Artístico do Teatro Nacional de São João
(TNSJ), Nuno Carinhas, para “mantermos a nossa humanidade”. Representa uma
oportunidade única de esboçar os enredos que quisermos e explorarmos os limites
do quotidiano. O teatro, indubitavelmente, faz parte do que consideramos de
forma lata a verdadeira cultura numa sociedade. E mereceu, tal como outros
acontecimentos, um dia dedicado a si.
Pela comemoração do Dia Mundial do Teatro, o TNSJ
decidiu dedicar este dia a uma reflexão sobre como se deve fazer teatro e
apresentar ao público em geral o que está por trás das peças às quais
assistimos.
Ora,
na visita guiada, foi-nos transmitida em traços breves a história da criação e
das diversas mutações sofridas pelo Teatro Nacional. Este surgiu no século XIX como
resultado do esforço das famílias abastadas do Porto para agradar à família
real, em particular, aquele que viria a ser rei na altura, D. João VI. Foi
negligenciado por altura do Estado Novo visto que a arte e a cultura não eram
relevantes para a elevação da condição humana, segundo Salazar. Com o advento
da democracia reabriu portas e dinamizou
a sua atividade a partir da década de 90 até aos dias de hoje. Quando ainda
hoje entrámos no edifício do TNSJ parece que recuámos um século atrás e
vemo-nos num ambiente aristocrático e com classe; com a mistura de correntes
arquitetónicas que o edifício do teatro apresenta, desde o estilo arquitetónico
gótico até ao estilo clássico, somos confrontados com um espaço que nos
transporta para outra realidade. Outra realidade em que tudo é possível e
delineável com as nossas mãos e intelectos.
De
seguida, decorreu uma conferência de imprensa na qual foi apresentada a programação
do TNSJ até ao final da presente temporada. Trata-se de um programa
diversificado e arrojado, incluindo alguns dos espetáculos em eventos como o “DDD
Dias da Dança” e o “FITEI”. Destaca-se a peça de teatro “A minha existência
involuntária” em palco a partir do dia 4 de abril, que consiste numa série de
conversas entre grandes pensadores, filósofos e escritores com um trago
pessimista. Adicionalmente, enfatizamos a peça “Lulu” que explora o sexo e a
violência e a ópera “La Donna di
Genio Volubile” que gira à
volta dos jogos de sedução de quatro homens que pretendem desposar La Donna. Esta
nova programação serve de mote à entrada em funções do novo Conselho de
Administração que pretende fomentar o melhor de dois mundos no âmbito do
teatro: apostar em obras clássicas e com reconhecida qualidade a nível
internacional e apostar em peças inéditas, como sinal de valorização dos
artistas portugueses.
Por
fim, em estreia na cidade do Porto, e iniciando uma digressão pelas principais
cidades de Portugal, assistimos ao documentário “I don’t belong here”.
Com
a realização deste documentário, que descreve a preparação e digressão da peça
de teatro com o mesmo nome, Paulo Abreu, diretor e realizador, explorou a dimensão
humana daqueles cuja felicidade desvaneceu quando tiveram de partir.
Deportados, revoltados e sozinhos, esta peça retrata a adaptação à vida na ilha
de São Miguel, diferente da que levavam nos países que os expulsaram embora a
eles pertencessem. Submetidos a uma segunda sentença dos crimes que cometeram e
cuja pena já haviam cumprido, os cinco deportados participantes do documentário,
contam-nos cinco diferentes vidas e histórias que se consumam numa só. A
história de seres humanos capazes de sobrevivência e adaptação numa pátria que
não são capazes de chamar a deles.
A
peça de teatro que desenvolveram, encenados por Dinarte Branco, baseia-se nas
suas experiências, no largar de tudo o que conheciam e que lhes era querido,
inspirando-se nos seus próprios medos e mais impérvios desejos, de forma a
retratar a lídima realidade do que é ser um deportado.
Em
setenta e cinco minutos nus e crus destes relatos que espelham a verdade de
tantos outros milhares, é impossível ficar passivo a estas vidas que sendo tão
diferentes das nossas, nos chegam tão perto do coração. Expatriados
para a vida por uma vez terem sido flagiciosos, os cinco refugiam-se da sua
existência e entregam-se a esta peça de teatro que foge de todos os níveis do
convencional, conhecendo e dando a conhecer um lado que eles próprios não sabiam
existir. Numa digressão nacional, levaram este relato a palcos do norte a sul
do país, onde conquistaram a mesma empatia com que o documentário também nos
avassalou, a nós que o vimos e o sentimos e que, posteriormente, tivemos o
prazer de poder conversar com dois destes refugiados que hoje começam a
conformar-se à sua nova realidade, mas que são incapazes de esquecer as
famílias que ficaram para trás, tão desoladas quanto eles.
As
memórias que têm doem, mas foi ao revivê-las que foram capazes de criar o que
podemos chamar, inequivocamente, uma obra de arte com um carácter
fenomenalmente humano, imperdoavelmente realista e impiedosamente comovente.
Alex
F. Alves
Beatriz
Moreira

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