No dia 4 de novembro de 2015 o mundo político viu nascer mais
um dos seus muitos ícones. Um homem por quem desde esse dia muitos nutriram um
grande amor e admiração, mas que, invariavelmente, também despertou crítica e
dúvida. Um líder polémico e divisivo, Justin Trudeau continua igual a si
próprio e, talvez, seja essa uma das suas maiores qualidades: a capacidade de
não se auto-anular em função dos interesses de terceiros, mesmo que, esses
interesses sejam os daqueles que, no final de contas, o elevaram à sua condição
atual, os canadianos.
Aquando da sua eleição, Trudeau aparentava personificar
aquilo que os seus eleitores mais desejavam – inovação de mãos dadas com a
tradição. O filho do antigo chefe de governo, Pierre
Trudeau, apresentou-se como uma cara nova que iria dar ao país “sangue novo” e
uma completa demarcação do “marasmo” que havia sido a legislatura de Stephen
Harper. A sua aparência e maneirismos ganharam fãs não só na sua terra natal
como também um pouco por todo o mundo, causando até alguma inveja aos
americanos que, no mesmo período, viam o seu panorama político deteriorar-se de
forma (até agora) aparentemente irreversível. Além disso, e principalmente, a
sua ideologia e pontos de vista foram também ostensivamente aplaudidos por comentadores
políticos e cidadãos. Temas tão sensíveis como a igualdade de género, as
mudanças climáticas e a problemática dos refugiados, foram, legítima e
felizmente, integrados no programa de Trudeau que, para além de fazer questão
que o seu governo fosse equilibrado no que diz respeito ao género, também implementou
limites à emissão de gases e visitou pessoalmente muitos dos sírios que
entretanto chegaram ao Canadá, num claro esforço de publicitar e tentar
impulsionar a mudança. No entanto, e apesar de todas as iniciativas do
primeiro-ministro e do seu governo, a verdade é que o estado de graça está
próximo, senão já, no seu fim. A mais recente visita de Estado à Índia
funcionou como a última gota num mar de acalmia do qual Trudeau parece já ter
zarpado. Apelidada de “pesadelo de relações públicas”, a visita fragilizou
sobremaneira a posição do governante, que pareceu preocupar-se mais em ser
fotografado juntamente com a mulher e os filhos vestindo trajes indianos, do
que fazer aquilo a que se tinha proposto – política. Desde então, a braços com
uma aguda crise interna – potenciada pela desaprovação generalizada do orçamento
de estado para 2018 -, a sua posição está seriamente fragilizada e, para já, não
existem sinais de inversão da maré. Todo o seu carisma e boa disposição assemelham-se
agora ao produto de uma construção artificial não conducente com a sua
verdadeira personalidade. Ao tentar ser “cool” e polivalente, Trudeau acabou
por, de certa forma, se derrotar a si próprio sem sequer antever quais as possíveis
repercussões de tal derrotada. A sua
popularidade entre os canadianos é cada vez menor – estando, neste momento, já
abaixo dos 50% - e até a sua habilidade para enfrentar os problemas internos
mais prementes, especialmente em termos económicos, tem vindo a ser sobejamente
questionada.
Muitas vezes criticado por ser ”estilo sobre substância”,
Justin Trudeau terá de demonstrar, nos próximos meses, que não é apenas uma
celebridade e “bom rebelde”, mas, acima de tudo, um político competente capaz
de apresentar soluções e respostas sem criar apenas mais dúvidas e dilemas. O
ponto de interrogação que paira sobre a sua cabeça é do tamanho do país que governa.
Resta-lhe, das duas uma: eliminar esse ponto de interrogação de forma convicta
e determinada, ou, na pior hipóteses, não deixar que ele se torne do tamanho de
um continente, ou, quem sabe, do tamanho de um mundo.
Gonçalo de Sousa Tavares Pé d´Arca

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