O
caos político italiano tem sido uma preocupação para o futuro da União Europeia,
sendo as últimas eleições um novo capítulo na luta do sistema liberal europeu
contra os crescentes populismos e nacionalismos xenófobos que se têm afirmado
na Europa nos últimos anos.
A
“loucura” da política italiana não é de agora. Itália viveu 65 governos desde o
final da Segunda Guerra Mundial, um registo praticamente frenético que ilustra
bem as falhas graves no seio do sistema político italiano. Sistematicamente
envolvida em escândalos de corrupção e de ligações com as máfias, que ainda
hoje possuem um poder significativo em muitas regiões italianas, principalmente
no sul do país, a classe política italiana há muito que perdeu o respeito da
maioria da população. Certamente que o estado da política italiana não é
estranho à difícil situação económica e social que o país - ao qual a cultura
ocidental muito deve - se tem arrastado nos últimos anos ou até mesmo décadas.
Itália
tem estado a braços com a crise dos migrantes, que escapando da guerra ou à
procura de melhores condições de vida, têm cruzado o Mediterrâneo para as
costas italianas, e com uma situação económica estagnante. Com a 2ª maior
dívida pública da Zona Euro, apenas atrás da Grécia, a 3ª maior taxa de
desemprego e uma das taxas de crescimento mais baixas da União Europeia, Itália
é um país com graves problemas estruturais que transpõem a economia e que
passam pelo sistema político, pela excessiva burocracia e por uma cultura de
clientelismo, além de um grande hiato no poder de compra e na qualidade de vida
entre um norte rico, cosmopolita e industrializado e um sul pobre e rural.
Deste
modo, encontram-se reunidas em Itália as condições para um descontentamento
generalizado da população que, por sua vez, alimenta movimentos populistas,
como o “Movimento 5 Estrelas” (M5S), fundado pelo comediante Beppe Grillo e
atualmente liderado por Luigi di Maio, e nacionalistas, como é o caso da “Liga
Norte” de Matteo Salvini, partido anteriormente independentista e atualmente de
índole fortemente anti-migração e coligado com a “Forza Itália” de Berlusconi. Neste
mundo à parte que parece ser a política italiana, as promessas eleitorais são,
em quase todo o espetro político, irrealistas e surrealistas, tendo deixado os
italianos com poucas opções sérias que satisfizessem, também, um sentimento de
mudança e de reforma.
Assim, nas eleições do
passado dia 4 de março, os vencedores foram os partidos populistas e
nacionalistas: o “M5S”, que foi o partido mais votado, alcançando cerca de 32%
dos votos, e a “Liga Norte”, que ultrapassou a votação do “Forza Itália”,
tornando-se a força mais importante da coligação de centro-direita que, no seu
conjunto, foi o bloco partidário que mais votos conquistou. No total, os
partidos eurocéticos, uns mais moderados, outros mais radicais, tiveram,
somados, mais de 50% dos votos e possuem agora a maioria dos parlamentares.
Consequentemente, os derrotados destas eleições foram os partidos tradicionais
mais próximos do centro político: o “Partido Democrático” de Matteo Renzi, de
centro-esquerda, que estava no poder, e o “Forza Itália”, de centro-direita.
Estes
resultados eleitorais não dão maioria a nenhum partido ou coligação o que, mais
uma vez, dificultará a tarefa de formação de um governo estável, sendo,
portanto, necessários entendimentos “artificiais” entre partidos com bases e
programas eleitorais bastante diferentes.
Infelizmente,
qualquer que seja a alternativa que se venha a concretizar, dificilmente será
sustentável conseguindo dinamizar a economia e a sociedade italiana dentro do
contexto europeu. Desta forma, o futuro da Itália não parece ser brilhante,
sendo que a adoção de políticas eurocéticas irá certamente prejudicar (e não
beneficiar, como alguns creem) a nação italiana e reduzir a sua influência no
processo de decisão europeu.
Para
perceber o caráter desta Itália é necessário compreender que se trata de uma
nação relativamente jovem, criada através de uma sucessão de acontecimentos que
levaram, há cerca de 150 anos (no período chamado de “Risorgimento”), à
unificação de uma região que, desde o colapso do Império Romano do Ocidente no
século V, esteve sempre dividida em diversas unidades políticas. Num país com
diferenças abismais de cultura e vivências, no qual, durante séculos, o foco da
“fidelidade individual” e do seu desejo de pertença a uma comunidade
correspondeu a uma unidade mais pequena que o Estado-nação - como a
cidade-estado, o bairro ou a família -, a criação de um país coeso, estruturado
e desenvolvido sofreu sempre obstáculos acrescidos. Assim, não podemos esquecer
que foi em Itália que nasceu o fascismo, prosperou a Máfia e se assassinaram
políticos e juízes.
No
entanto, Itália é um país de uma beleza arrebatadora, de um povo acolhedor e
extrovertido e de uma história e cultura que ensombram as de qualquer outro
local. É na exploração das suas cidades e vilas, das suas igrejas, dos seus
museus, das suas paisagens e da sua gastronomia que turistas e viajantes de
todo o mundo, nos quais me incluo, se apaixonam por este país.
Neste
país do Mediterrâneo e da cultura clássica, mas também das elevações dos Alpes
e das mais importantes indústrias europeias, há sempre muito por descobrir e
explorar, toda uma realidade que escapa ao olhar mais desatento e superficial
de um turista incauto e frívolo.
Foi
no passado mês de fevereiro que procurei descobrir os encantos da cidade eterna
seguindo as pegadas de outros portugueses que desde o século XVI viajam por
terras italianas, como foi o caso de um fidalgo de Chaves (cujo nome se
desconhece) que viveu na cidade de Roma em pleno Renascimento, entre 1510 e
1517, tendo a oportunidade de frequentar os círculos mais íntimos da cúria
pontifícia dos papas Júlio II e Leão X. Terá certamente acompanhado o progresso
da construção da Basílica de São Pedro, contemplado algumas das obras-primas de
Bramante, Rafael e Miguel Ângelo e observado com espanto o elefante que
acompanhava a monumental embaixada de D. Manuel I a Roma em 1514, chefiada pelo
explorador Tristão da Cunha, que muito impressionou o Papa.
Anos
mais tarde, e já de volta a Portugal, escreveu umas “Memórias”, únicas até
então na língua portuguesa, precursora de uma literatura de viagem, em que
revela o seu deslumbramento pelas “grandezas e indulgências” de Roma, mas
também repudiando muito dos excessos das cortes papais.
É
claro que a Roma do século XXI em muito difere da que o nosso compatriota
flaviense conheceu há quinhentos anos, sendo provavelmente a maior diferença o
grande número de motorizadas e o trânsito infernal do dia-a-dia romano. No
entanto, Roma é uma das cidades em que o passado mais está presente e naturalmente
interligado com a vida diária dos seus cidadãos, sem destoar com a modernidade.
Assim,
foi através do livro “Itália – Práticas de viagem” de António Mega Ferreira que
tomei conhecimento de mais uma referência a Portugal por terras romanas. A meio
caminho entre S. João Latrão e o Coliseu, no cimo do monte Célio (uma das sete
colinas de Roma), encontra-se a Igreja de Santi Quattro Coronati, de traça
bizantina, cor de barro e aspeto degradado, afastada dos roteiros turísticos
mais percorridos e ainda ocupada por freiras agostinianas.
Numa
cinzenta manhã de inverno, depois de passar por dois átrios da entrada de Santi
Quattro Coronati e de me cruzar com uma jovem noviça, entro na igreja, cuja
origem remonta ao século IV, e, após uma breve vista de olhos, começo a
procurar o brasão de Portugal aqui colocado pelo Cardeal D. Henrique que, antes
de suceder ao seu sobrinho-neto D. Sebastião como Rei de Portugal, foi cardeal
titular desta basílica. Minutos mais tarde, já prestes a desistir desta minha
busca por um pedaço de Portugal no coração de Roma, um simpático italiano de
idade avançada abordou-nos, a mim e aos meus companheiros de viagem, e,
certamente adivinhando a nossa origem portuguesa, indicou-nos o teto de
madeira, onde após muito esforço lá conseguimos reconhecer o brasão de Portugal
com as suas quinas e castelos.
O
senhor apresentou-se como Mario e começando a falar em italiano, num ritmo
difícil de acompanhar, referiu um padre português chamado Lopes, por ele muito
apreciado pelo seu apurado sentido de humor. No final da conversa
agradecemos-lhe a sua ajuda e, por fim, o senhor Mario, adivinhando uma
possível “cunha” divina, pediu-nos que intercedêssemos junto da Nossa Senhora
de Fátima em seu favor…
Para
os crentes em milagres, Itália também poderia ser contemplada no pacote e, quem
sabe, por acréscimo, também a Europa.
Nuno Sousa


Comentários
Enviar um comentário