8 de janeiro de 2018. O até ali
impensável acontece. Pyongyang propõe enviar uma delegação de alto nível,
composta por atletas e dirigentes, aos Jogos Olímpicos de Inverno que este ano
se realizarão na vizinha PyeongChang, Coreia do Sul. Desde 2016 que as duas
“irmãs” não encetavam diálogos oficiais e, aliás, esta abertura diplomática
poderá até causar alguma estranheza se tivermos em conta que em 1988, quando
Seul recebeu os Jogos Olímpicos – de verão – Kim Il-sung – avô de Kim Jong-un –
decretou o boicote ao evento e, além disso, provocou a queda de um avião
comercial dias antes do evento, vitimando cerca de 100 pessoas. Alicerçada no
desporto, esta aproximação sempre foi sobejamente desejada pela vizinha do sul,
que, entre outros fatores, e segundo o seu ministro para a Unificação, tem como
objetivo diminuir a tensão militar entre as duas nações e, também, voltar a
juntar muitas das famílias que se viram separadas pela guerra da Coreia,
conflito extremamente sangrento – os mortos estimam-se em 1,2 milhões - que
terminou no já longínquo ano de 1953. Desde então, a península coreana tem
vivido numa constante tensão latente, com episódios de maior acutilância, como
é o caso do de 1988.
Porém, e de forma algo
surpreendente, esta aproximação é, agora, em grande parte, também muito
desejada pelo Norte. Através da agência noticiosa estatal – KCNA – Pyongyang
fez um apelo à unificação, sem intervenção de terceiros, incentivando todos os
coreanos a contactar, viajar e cooperar entre si, reiterando ainda que irá, de
forma convicta, “esmagar” todos os obstáculos que se interponham no caminho da
reunificação. Neste comunicado, os norte-coreanos aproveitaram ainda para criticar
os “pró-americanos” e atacar as forças japonesas que, supostamente, levam a
cabo “manobras internas e externas” com o intuito de “arruinar os embaixadores”
da nação coreana.
Este volte-face na postura do
governo norte-coreano poderá parecer completamente contraditório e incongruente
à primeira vista, especialmente tendo em conta o recente escalar de clivagens
resultante dos testes do programa nuclear que, entretanto, foram suspensos –
contudo, e ironicamente, os especialistas preveem que tais testes sejam
retomados após os Jogos Olímpicos de Inverno. No entanto, o desejo de
reunificação não é novidade. Para os coreanos a reunificação da Península
afigura-se como algo mítico, um “Santo Graal”, um regresso às origens após a
divisão causada pela guerra e pelo colonialismo japonês. Em 2015, 80% (!) dos
sul coreanos eram a favor da reunificação. Na Coreia do Norte, 95 dos 100
indivíduos inquiridos num estudo com o mesmo propósito encarava com extrema
importância a reunificação, sobretudo a nível económico. O grande entrave, continua
a ser, no entanto, a maneira como esse processo seria conduzido. Seria o Norte
a controlar a ordem dos acontecimentos? Iria a Coreia do Sul “absorver” o
Norte? Será necessário aguardar pelo o colapso do regime de Kim Jong-un? O
líder norte-coreano já demonstrou ser irascível e colérico o suficiente para não
se deixar domar, o que, por si só, exclui muitas das hipóteses. Uma
reunificação à maneira do Norte apresenta-se ainda como muito menos provável,
senão, absolutamente impossível.
Deste modo, é bastante pertinente
tomar outro ponto de vista na análise dos recentes acontecimentos. Poderá tudo
isto ser apenas um jogo de espelhos, “para inglês ver”, com o intuito de
afastar a atenção de mais algum plano do regime? Estará algo de maiores e
maquiavélicas proporções a ser congeminado em Pyongyang? Talvez nunca saibamos,
ou, por outro lado, talvez saibamos tarde de mais.
A verdade é que do homem que
enviou o próprio irmão e o tio para a morte podemos, infelizmente, esperar
tudo.
Gonçalo de Sousa Tavares Pé d´Arca

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