Provavelmente,
poucos terão ouvido falar do “Grupo de Visegrád”, mesmo aqueles mais atentos à
política internacional e europeia. No entanto, a compreensão das ações deste
grupo de países é muito importante para melhor perceber a atual situação
europeia e como será a União Europeia em 2025.
O
Grupo de Visegrád, também conhecido como V4, é constituído pela República
Checa, Eslováquia, Polónia e Hungria, tendo sido criado em 1991, no período que
se seguiu à queda do comunismo na Europa de Leste. O seu nome provém da
histórica cidade húngara de Visegrád, localizada nas margens do rio Danúbio.
Nos primeiros anos da sua existência, este grupo de cooperação económica,
energética e militar foi essencial na democratização dos países da Europa Central
e de Leste e no processo de integração europeia, que culminou com a entrada dos
seus membros na União Europeia em 2004.
Este
grupo tem permitido aos seus países-membros ganhar uma maior influência e poder
de decisão a nível europeu, ao coordenar e harmonizar as suas estratégias
políticas. Convém assinalar que, combinados, estes quatro países têm uma
população de 64 milhões de habitantes, valores próximos da França e do Reino
Unido, e 106 eurodeputados, ou seja, cerca de 1/7 de todos os deputados do Parlamento
Europeu, possuindo, portanto, um peso substancial no processo de decisão
europeu. Além disso, os países do Grupo de Visegrád possuem, atualmente, umas
das taxas de crescimento mais elevadas da UE.
A
União Europeia encontra-se num ponto de viragem. Nos próximos anos deverá dar
um salto em frente na integração económica e política: completar a União
Bancária e dos Mercados de Capitais, aperfeiçoar o euro, acolher os refugiados,
incentivar o desenvolvimento económico e a inovação, cumprir com as metas
fixadas no Acordo de Paris e assumir-se como líder na transição energética,
acentuar a importância do Pilar dos Direitos Sociais, aproximar-se dos cidadãos
e tornar as instituições europeias mais eficazes e democráticas e, finalmente,
falar a uma só voz, como uma grande potência mundial, a nível económico,
diplomático e, até mesmo, militar.
O
Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, defende que todos os
países-membros participem neste aprofundamento do projeto europeu para que
todos possamos debater, democraticamente, a melhor maneira de “aproveitar os
ventos nas nossas velas” e de atingirmos em 2025 uma Europa mais forte e mais
democrática. No entanto, não podemos esquecer que a Europa é, acima de tudo, um
projeto de valores, valores esses que não podem ser sacrificados em nome de
qualquer política. E é aqui que entra a importância do Grupo de Visegrád nesta
discussão.
Nos
últimos anos, dois dos mais graves problemas da Europa e do mundo - os
refugiados e o populismo - têm sido agravados pelas ações dos países do chamado
Grupo de Visegrád. A Hungria de Viktor Órban construiu um muro na fronteira com
a Sérvia para impedir a entrada de refugiados e, juntamente, com a Eslováquia,
a República Checa e a Roménia votou contra o mecanismo de quotas de recolocação
de imigrantes. O governo húngaro é também conhecido pela sua manipulação da
comunicação social, como acontece no que diz respeito à tentativa de
encerramento da Central European University, universidade fundada pelo
milionário George Soros, que tem sido vítima nos últimos meses de uma forte
campanha difamatória, a qual tem passado pela distribuição de livros e folhetos
e colocação de “outdoors” por iniciativa do governo húngaro e, portanto, pago
pelos contribuintes húngaros.
Estas
ações levaram a que a Hungria de Órban e do partido “Fidesz” seja denominada,
cada vez mais, como uma “democracia iliberal”, seguida de perto pela Polónia do
partido “Lei e Justiça” (PiS). A Polónia é acusada, por exemplo, de influenciar
o sistema judiciário e de comprometer a sua independência e, mais recentemente,
o Presidente do Parlamento Europeu Antonio Tajani apelou à primeira-ministra
polaca que garantisse a proteção dos eurodeputados polacos, após o
“enforcamento” de imagens de alguns eurodeputados numa manifestação na cidade
polaca de Katowice. Infelizmente, são muitos os exemplos de atropelos aos
direitos fundamentais nestes países nos últimos anos.
Como
se verifica pelas recentes manifestações do dia 11 de novembro, dia da
independência da Polónia, caracterizadas pela presença de grupos de
extrema-direita, xenófobos e racistas, estes países do Grupo de Visegrád, em
particular a Hungria e a Polónia, têm-se afastado dos princípios do Estado de
Direito liberal, em que o projeto europeu assenta, e aproximando-se de ideias nacionalistas
e protecionistas e de líderes como Vladimir Putin. As forças do Grupo de
Visegrád têm aparecido consistentemente como forças de bloqueio no processo de
reforma e aprofundamento da União Europeia, do euro aos refugiados, do aprofundamento
de medidas de apoio às energias renováveis ao pilar dos direitos sociais, e
como uma ameaça à democracia liberal no coração da Europa.
Desse
modo, devemos refletir sobre qual deve ser a atitude da UE face às atitudes dos
países do Grupo de Visegrad, em particular de algumas das suas elites
políticas, que têm adotado uma política eurocética de extrema-direita. Poderá a
solução passar pelo estabelecimento de medidas para preservar o “Estado de
Direito” na Hungria e na Polónia e, ainda, de sanções, que poderão levar, no
extremo, à sua saída da União?
Como
Juncker disse no seu discurso do estado da União: “O Estado de Direito não é
facultativo na União Europeia. É um imperativo.”. Devemos tornar claro a todos
os focos de populismo e de nacionalismo espalhados pela Europa que não vamos
ceder os nossos princípios.
No
entanto, não podemos abandonar os povos da Europa Central e de Leste às garras
do populismo. Temos de pensar na luta pela qual os Polacos e os Húngaros, entre
outros povos, se libertaram de regimes ditatoriais e da força, determinação e
maturidade que as suas sociedades civis demonstraram nos momentos mais
desafiantes da história recente.
O
projeto europeu é, na sua essência, um projeto de valores. Os europeus
juntaram-se, apesar das suas diferenças e inimizades históricas, para criar uma
sociedade sustentada nos pilares da paz e democracia, acreditando que a
abolição de fronteiras e a cooperação iriam levar a um desenvolvimento
económico e a uma sociedade mais justa, mais do que alguma vez se verificaria
sem um projeto de integração económica e política. Portanto, temos de caminhar
em frente todos juntos. Em vez de
abrir mais fissuras, é necessário fechar as que já existem e criar condições
para que o populismo e o nacionalismo não se espalhem mais pela Europa e, em
particular, nos países do chamado Grupo de Visegrád.
É
tempo de fazer lembrar aos Polacos e aos Húngaros que o seu sentimento
patriótico é compatível com o projeto europeu e a construção de uma identidade.
Estes povos tiveram de lutar arduamente pela sua liberdade, em particular no
século XX, dos horrores da Segunda Guerra Mundial à repressão dos regimes
comunistas controlados pela União Soviética. Recordem a Revolução Húngara de
1956, a Primavera de Praga de 1968, o movimento “Solidarnosc” ou
“Solidariedade” nos anos 80 na Polónia, a Revolução de Veludo na Checoslováquia
e a queda do muro de Berlim em 1989. Foram momentos de repressão e de luta, de
libertação e de esperança que culminaram na muito esperada liberdade e
democracia dos povos da Europa Central e Oriental. Não se afastem da Europa e
dos princípios que múltiplas gerações sonharam e morreram a defender. Honrem a
vossa história defendendo esses ideais, os vossos ideais, os ideais da União
Europeia. Sejam uma parte da solução, não do problema e ganhem o vosso lugar na
renovação e no aprofundamento da integração europeia.
Termino
com as palavras de Robert Schuman na sua famosa declaração de 9 de maio de
1950: “A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único.
Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.”
Nuno Sousa

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