Está escolhido. Mário Centeno é o novo Presidente do
Eurogrupo.
O país, como já vem sendo hábito, rejubila de
contente. Centeno é o novo herói nacional. É o nosso cavaleiro andante que vai
para Bruxelas defender a honra de Portugal e mudar a Europa. A realidade
infelizmente não se constrói com lirismos. A Europa jogou alto. De tão alto que
jogou que roça o inexplicável.
Mas não o é. Centeno teve sorte. É o remendo possível
para o momento de transição que se vive na UE. Alguém tinha que ir e assim
todos ficam contentes.
Com Merkel, temporariamente ou não, fora de cena, a
indefinição alemã transforma-se numa indefinição europeia, até porque refreia o
ímpeto reformista de Macron. E depois temos Juncker. O Presidente da Comissão
Europeia anunciou que não se vai recandidatar e que abandona em 2019, não sem
antes restruturar a forma como a UE está organizada. Num momento de reflexão
como este, ninguém queria fazer uma escolha definitiva. Centeno foi o escolhido
mas está a prazo.
O próprio cargo tem os dias contados. Prevê-se que
dentro de dois anos se proceda à extinção do cargo de Presidente do Eurogrupo,
passando este a ser chefiado por um Ministro Europeu da Economia e das Finanças,
que será também vice-presidente da Comissão. Alguém acredita que Centeno venha
a ser o escolhido? Por vezes pode não parecer, mas a União Europeia ainda é uma
instituição séria. Num cenário de delírio em que isto venha a acontecer, espera-se
que a UE avance também com o Fundo Monetário Europeu. Porque vai fazer falta.
Por tudo isto se percebe que a escolha de Centeno não se
deveu ao mérito do governo português, seja no plano político, económico ou
diplomático. Nenhum grande país se apresentou. Há cargos mais aliciantes a
disputar no futuro.
Sabia-se de antemão que Centeno partia em vantagem. O
equilíbrio político europeu exigia que fosse alguém socialista e, de
preferência, do Sul da Europa, a suceder a Dijssembloem. Pier Carlo Padoan,
ministro das finanças italiano, cumpria estes critérios. Mas o facto de
pertencer a um governo que pode cair dentro de meses fez com que nem chegasse a
apresentar a candidatura. Como Padoan muitos foram caindo. Uns atrás dos
outros. As estrelas alinhavam-se e Centeno seguia, tranquilo. Chegou à recta
final com os ministros da Letónia, da Eslováquia e do Luxemburgo. Ganhou.
Ganhou pela sorte e pela irrelevância do cargo no momento actual.
Sejamos sinceros. De que outra forma poderemos
justificar esta decisão dos dezanove? Portugal precisou de um resgate há pouco
mais de seis anos. A escolha do ministro das finanças português em tempos
normais só faz sentido se só Portugal e Grécia pertencerem à Zona Euro. Afinal,
Centeno não passa do contabilista trafulha do país dos caloteiros. E deviam ser
as próprias regras europeias a proibir a candidatura destes países. Nenhum ministro
se devia poder candidatar enquanto não apresentasse as finanças públicas em
ordem. Isto vale para todos. Seja o seu apelido Centeno, Gaspar ou Albuquerque.
Há mais. Como é que se explica a escolha de um
ministro cujo governo assenta num apoio periclitante com a esquerda radical?
Uma esquerda que não reconhece a autoridade do Eurogrupo nem das próprias
regras europeias.
A escolha de Centeno tem por isso outra motivação. A
única que acalenta esperança. Centeno tem vindo a usar duas máscaras. Em
Portugal é um “mãos largas”. É o redistribuidor. Em Bruxelas é um aluno exímio
e criativo. Chega mesmo a ser o “Ronaldo do Ecofin”, como Schäuble o apelidou.
O problema é que Centeno faz muitos truques mas não marca golos.
Os dezanove sabem disto. Sabem que o país está sem
rumo e pode colapsar ao menor deslize. Meter Centeno à cabeceira nas reuniões
pode ser a única forma de salvar Portugal a mais dois anos de “geringonça”. Ele
não vai mudar nada na Europa. Por tudo o que já se disse. Primeiro, porque não
tem qualquer moral para o fazer. E depois porque, apesar do Eurogrupo ser de
vital importância para o futuro da União Económica e Monetária, o seu
presidente pouco poder tem.
É em Portugal que se vão sentir os efeitos desta
escolha. Centeno vai passar a ter que ser coerente. O que disser em Lisboa vai
ter que alinhar com o que disser em Bruxelas. O carnaval acabou. Como é que os
partidos que suportam o Governo vão manter a farsa? Prevêem-se tempos
conturbados. Chegar ao fim da legislatura já não parece uma certeza. Uma
certeza é que Portugal vai ter que encarrilar. Não fica bem na fotografia ver o
Presidente do Eurogrupo a reprovar o seu próprio orçamento. Porque se Centeno
mantiver o mesmo rumo vai precisar de levar um espelho para Bruxelas para dar
umas belas reprimendas ao Mário, o “bom” aluno português.
Portugal pode até ter sido o bom aluno da Troika. Tem
mantido as notas nos últimos tempos, é certo, mas é porque tem copiado.
Portugal não passou agora a professor. Portugal vai ao quadro por mau
comportamento, o que é bem diferente. Passar de aluno a professor não é fácil,
mesmo com o descongelamento das carreiras.
José Mário Sousa
Marta Carvalho (Ilustração)

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