Thucydides,
um filósofo da Grécia antiga, fez uma abordagem à política internacional dos
grandes impérios do seu tempo que culminaram numa teoria ainda hoje tida em
consideração por muitos, a Armadilha de Thucydides. Nesta teoria, o filósofo
ateniense defende que “quando uma potência mundial crescente ameaça derrubar uma
governante, o resultado mais provável é a guerra”. É, sem dúvida, uma tese
ousada de defender. A verdade é que doze dos dezasseis casos em que isso
ocorreu nos últimos 500 anos terminaram violentamente. A Guerra do Peloponeso,
entre Atenas e Esparta, que teve como fundamento o crescimento do poder
ateniense e o temor que isso despertava entre os espartanos, foi um desses
casos. Bem mais próximo de nós temos a I Guerra Mundial, que teve por base
tensões entre o Império Britânico, na altura a maior potência mundial, e a
crescente Alemanha. Tomemos isto em consideração para a abordagem que se segue.
Durante
as eleições norte americanas os meios mediáticos portugueses já inundavam as
suas edições com citações do agora presidente americano (Donald Trump). O seu
foco, na altura, era apenas um – “China”, “China”, China”. É natural que
notícias que concernem os líderes do mundo livre cheguem a nós, portugueses, em
primeira mão - não fossem os EUA um exemplo a
seguir.
Nas
últimas décadas os países ocidentais têm reconhecido os EUA como o modelo
económico e ideologia política com os quais se identificam e pretendem
convergir, contribuindo para a imortalidade do “american way of life”. Contudo,
a China, à semelhança de Esparta e da Alemanha, tem vindo a crescer a um ritmo
ameaçador aos olhos dos apoiantes da democracia liberal como estilo de vida a
seguir. A perda do estatuto de “exemplo a seguir” significa também a
perda de todas as vantagens que essa posição dominante acarreta enquanto maior
potência mundial. É evidente que os tempos de Guerra Fria nos moldes em que nos foram apresentados estão em
grande medida ultrapassados, no entanto, atritos entre potências mundiais estão
longe de desaparecer. As tensões económicas (anteriormente protagonizados pela
União Soviética) foram substituídas pela China -
país que representa, hoje em dia, a segunda maior economia do mundo, logo atrás
dos nossos aliados Americanos.
As
medidas adotadas pelo governo chinês estão sem dúvida na base daquilo que são
os avanços económicos desta nação criando condições que preenchem o critério de
potência mundial crescente, corroborando o primeiro aspeto da teoria de
Thucydides. Durante anos a China tem vindo a financiar os seus gigantes
estatais com crédito barato. Manteve a sua moeda com um valor extremamente
baixo relativamente ao dólar, catalisando as suas exportações. Desde a entrada
da China na Organização Mundial do Comércio (WTO, em inglês) as suas
exportações representam já 14% daquilo que são as registadas a nível global, o
valor mais alto que qualquer país atingiu desde os EUA em 1968. A elevada taxa
de exportações chinesas facilita a compreensão do avultado montante reservas de
moeda estrangeira, principalmente dólar, acumuladas pelo governo chinês ao
longo dos anos. Isto significa centenas de milhares de milhões de dólares de
dinheiro chinês investidos no exterior em infraestruturas que, têm vindo a
ajudar várias zonas subdesenvolvidas do globo a prosperar. A nova rota da seda,
também conhecida como “Belt and Road Initiative”, tem como objetivo a criação
de novas rotas que permitam o transporte de mercadorias fabricadas na China a
serem posteriormente conduzidas pela asia central até à europa, chegando também
a áfrica, solidificando o novo posicionamento global pretendido (a compra da
EDP em Portugal também será disto um exemplo crasso).
Por
outro lado, os seus espiões cibernéticos roubam segredos aos seus rivais. O
maior exemplo de atentado à propriedade intelectual registou-se precisamente
(espante-se!) contra os americanos, quando em 2014 foram apresentadas queixas
que recaiam sobre militares chineses por “hackearem” entidades norte-americanas
responsáveis por armamento nuclear e firmas da indústria metalúrgica,
comprovando o teor competitivo e a crescente rivalidade entre as duas
potências.
O
crescente aumento da indústria tecnológica que tem vindo a ser conquistada
pelos chineses revela o aproximar de uma nova era protagonizada pelo domínio do
bloco oriental. Passo, agora, a explicar esta controversa afirmação. À medida
que o movimento de combate ao aquecimento global ganha cada vez mais adeptos em
todo o mundo, com a inovação tecnológica a apresentar soluções cada vez mais
eficientes e a favor do ambiente, o petróleo será gradualmente desvalorizado. Aliás,
o “ouro negro”, um elemento essencial que permitiu ao mundo uma revolução
drástica no modo de viver através da industrialização, vai dando lugar a um
novo elemento central na progressão da humanidade como um todo – os dados,
informação pessoal e reveladora de todas as nossas vontades, movimentos,
companhias e interesses que todos os dias expomos sem pensar duas vezes. Ora, em
algum lugar estes dados ficam armazenados, lugar esse controlado por uma ou
várias pessoas, seres humanos como eu e o leitor, agora capazes de controlar as
notícias que lemos, os anúncios que nos apresentam e, aos poucos, a forma como
pensamos e vemos o mundo. Em países como a China, em que as suas indústrias
tecnológicas gozam de várias reservas de dados gerados por centenas de milhões
de pessoas online desprotegidas de leis de privacidade, pode-se facilmente
concluir que os seus ganhos futuros possam vir a ser tremendamente ameaçadores
para aquilo que é a arquitetura da economia global.
O
Washington Post cita Donald Trump
dizendo que o líder chinês, Xi Jinping,
é “provavelmente o homem mais poderoso na China do último século”. Não podemos,
contudo, menosprezar o papel da Coreia do Norte naquilo que são as declarações
do presidente norte-americano. As recentes tensões militares protagonizadas entre
americanos e coreanos, as quais tomaram maior volatilidade depois das múltiplas
provocações por parte da Coreia moldam, indubitavelmente, o tom utilizado por
Trump nos elogios ao líder da segunda maior potência económica – revelam a
vontade (e bem) por parte dos Estados Unidos de querer solucionar o prolema por
via diplomática, já que a China é a única aliança da Coreia do Norte.
Mais
uma vez, Xi Jinping joga bem as suas cartas e afirma uma posição dominante de
forma categórica – em janeiro, o presidente da República Popular da China prometeu às elites mundiais uma campanha de
globalização, livre comércio e adesão ao acordo de Paris para as alterações
climáticas, recuperando uma medida que Trump fez questão de afastar poucos
meses antes por não considerar a política justa para o seu país (que perdia
crescimento potencial económico para os gigantes industrializados como a China
e Índia). Assim, ameaça com perspicácia a posição dos EUA na vanguarda do
bem-estar social global. Já em “casa”, falando para o seu povo, Xi, num
discurso de quase quatro horas, descreveu o seu modelo de "democracia
socialista", o único modelo que, disse, se contrapõe à democracia liberal
ocidental. Assinala ainda que "o século XXI verá o capitalismo a perder a
sua atracão enquanto o movimento socialista, liderado pela China,
crescerá".
Este
é o tipo de liderança com que Donald Trump tem que se preocupar: uma que a
América não mostra ao mundo desde o final da segunda guerra mundial em que o
Plano Marshall foi, mais até do que solidariedade para com uma Europa
devastada, uma determinante forma de afirmação política.
José Diogo Santos

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