No final da
Guerra Fria, os Estados Unidos da América
tomaram uma decisão estratégica que está na orgiem de caos e incerteza ainda
nos dias de hoje. A “caça às bruxas” liderada pelos EUA, usando o cinema, a
televisão, os jornais, as propagandas e até mesmo as histórias em quadrinhos,
propagou uma campanha valorizando o american
way of life como combate ao comunismo. Esta decisão não foi baseada em
políticas económicas ou militares, mas antes nos jogos.
Na
Teoria dos Jogos, existem dois tipos de jogos – há finitos e infinitos. Quando
olhamos para o futebol, por exemplo, estamos perante um jogo finito uma vez que
jogadores conhecidos competem entre si para atingir um determinado objetivo
comum, conscientes dos limites que são as regras de jogo, fixas e transversais
a todos os players. Um jogo infinito
é definido como sendo composto por jogadores conhecidos ou não conhecidos, no
qual as regras se podem alterar no decurso das jogadas e em que o objetivo é
perpetuar o jogo. Quando se coloca em confronto um jogador finito com outro com
as mesmas características o jogo é estável (o futebol é estável, tal como a
guerra convencional como a conhecemos). O mesmo acontece quando colocamos em
campo um jogador infinito versus
outro jogador infinito. A Guerra Fria era estável, porque num jogo infinito não
há vencedores nem perdedores, não se consegue perder o jogo, por isso, os EUA e
a União Soviética esforçavam-se para o prolongar. De facto, não havendo a
possibilidade de ganhar ou perder, a única coisa que um player pode fazer é sair do jogo quando se esgotam os seus recursos
ou vontade de jogar. Os problemas surgem, contudo, quando colocamos em
confronto um jogador finito com um infinito. Neste caso, é o jogador finito que
fica preso no que se poderá tornar uma estranha, complexa ou imprevisível
circunstância.
Olhemos
para o mundo dos negócios, por exemplo. O jogo das empresas é um jogo infinito.
O conceito de “negócio” existe há mais tempo que qualquer empresa que possamos
apontar nos dias de hoje e este conceito irá permanecer intacto muito depois de
todas as empresas que existem atualmente desaparecerem. O que é intrigante no jogo
dos negócios é o número de empresas que estão a jogar de forma finita, que
jogam para ganhar, para atingir um determinado lucro num mês, trimestre ou ano e
são sempre ultrapassadas por aquela empresa com a visão de longo-prazo que
parece levar os CEOs finitos à loucura. Nesse longo-prazo a empresa que aspira
imortalizar o seu modelo de negócio irá sempre vencer e as outras irão ficar
sem recursos ou vontade de jogar (vendidas ou falidas).
Tomando
este modelo mais simplista, vamos aplicá-lo ao jogo das grandes potências.
Vejamos o que aconteceu na guerra do Vietname – os americanos lutavam para
ganhar, os vietnamitas lutavam pela sua vida, lutariam para sempre se fosse
necessário. Isto foi também o que aconteceu na Guerra Afegã-Soviética - as
forças soviéticas lutaram ao lado das tropas do governo marxista da República
Democrática do Afeganistão contra grupos de guerrilheiros mujahidins, tentando
impor à força o seu estilo de vida comunista, enquanto os mujahidins lutavam
pela sua sobrevivência. A teoria deste jogo confirmou-se quando as tropas
soviéticas, depois de dez anos de confronto, retiraram os seus tanques do
Afeganistão por falta de recursos e força de vontade para perpetuar o conflito.
Antes
da Queda do Muro de Berlim, poder-se-ia dizer que os EUA e a URSS se
encontravam num jogo infinito. Após este evento, os Norte-Americanos anunciaram algo inédito nos jogos infinitos que já conhecemos,
assumiram que tinham ganho o jogo e começaram a comportar-se como vencedores. Não
ganharam. O segundo jogador desistiu, porque ficou sem vontade ou recursos para
jogar. A confiança assumida na vitória permitiu aos Estados Unidos uma certa
imposição do seu “modo de vida” durante os últimos anos e, ao que parece, esse
não será, pelo menos para já, um modo de vida compatível com o de todos os
estados mundiais. Como acontece em todos os contextos infinitos, novos
jogadores começaram a emergir.
A
Guerra Fria tinha por base três pilares: uma
tensão nuclear - ambos os estados tinham poderio nuclear e, por isso, a
capacidade de por termo à vida -, uma tensão ideológica - os EUA eram exportadores
de democracia e do capitalismo de mercado e a URSS exportador de comunismo ao
estilo soviético – e, por fim, uma tensão
económica – os trade deals não eram
justos quando se comparam as taxas aplicadas ao bloco leste e oeste. Estes pilares
mantiveram a Guerra Fria viva e saudável. Arriscando colocar as coisas nestes
termos, vida, liberdade e a perseguição da felicidade, as únicas três coisas a
favor das quais o ser humano está disposto a pagar qualquer preço e lutar por
tempo indeterminado para defender.
“... mas todos os dias nos chegam
notícias de grandes perigos que ameaçam tudo aquilo a que damos vamos nas
nossas vidas.”, foi o que disse o presidente dos Estados Unidos da América, na
Assembleia Geral das Nações Unidas - a primeira dirigida pelo Secretário Geral
das Nações Unidas, António Guterres. A que perigos tão devastadores é que se
refere Donald Trump? Com o prolongar do seu discurso, as coisas ficam mais
claras. Um dos perigos é a tensão nuclear com a Coreia do Norte, outro a tensão
ideológica que ameaça a nossa liberdade proporcionada pelos extremistas do
Estado Islâmico e, por fim, fala de uma tensão económica existente entre EUA e
China, que ameaça o bem-estar e o crescimento próspero do nível médio de vida
dos cidadãos americanos. As conclusões a retirar são simples: o jogo infinito da Guerra Fria está vivo, alternando
apenas os jogadores. O problema é que todas estas “forças do mal” sabem qual é
o seu inimigo, enquanto os EUA ainda estão a tentar perceber qual destas tensões
é prioritária, tentado por todos os meios vencer estes conflitos, não se
apercebendo que o jogo é infinito.
A
maneira mais fácil de perceber em que jogo se está é quando se tem uma força
oponente, um adversário direto. Os Estados Unidos já não têm um rival singular hoje
em dia, mas todos os seus oponentes têm um único, os próprios EUA.
O
fundamento de todo o jogo infinito são os valores de cada um dos jogadores, ou
seja, todas as decisões vão sendo tomadas a partir de uma ideologia que se
perpetua ao longo dos tempos. À medida que os EUA tomam decisões cada vez mais
a curto prazo, caminham também para um período ruinoso avaliado antecipadamente
por simples lógica. Os interesses a curto prazo de uma nação podem, por vezes, não
ser compatíveis com os seus valores. A guerra no Iraque, por exemplo, era uma
guerra por recursos (petróleo) que ia contra os valores e natureza do próprio povo
americano, mas servia como meio para assegurar esses mesmos valores num futuro.
No entanto, elevadas movimentações com interesses a curto prazo, ignorando os
valores fundamentais do país, têm um impacto notório no modo como o jogo das
grandes potências é jogado. Intervenção dos EUA em países como a Síria, o Iraque,
a Coreia do Norte, a Venezuela, o México ou a China - todas com o objetivo de
resolução momentânea dos seus interesses - vão, sem sombra de dúvidas, contra o modo de
vida livre e próspero dos próprios líderes que aplicam a ação. É impensável ver
algum país a aplicar sanções contra os Estados Unidos, pois há medo em fazê-lo,
uma vez que tais medidas seriam encaradas como um insulto. Ação em várias
frentes cria incerteza no modo como americanos se apresentam ao resto do mundo.
Tais medidas que visam suprir interesses momentâneos são perigosas na medida em
que confundem os seus aliados, que deixam de poder confiar nos EUA pois deixaram
de ser previsíveis e também favorecem oportunidades para os seus inimigos possam
explorar as suas fraquezas.
Assim,
os Estados Unidos da América, juntamente com os seus atuais aliados, nunca contribuirão
para a estabilidade,
com crescimento próspero e sustentado onde os vários modos de vida poderão coexistir
pacificamente, enquanto não deixarem de jogar o jogo de que não fazem parte e
começarem de facto a jogar o jogo segundo os seus valores e ideologia de vida –
“país é soberano, país é seguro e promove o crescimento próspero”, Donald J.
Trump.


Comentários
Enviar um comentário