O mês de
novembro marca definitivamente o início de uma época de transição entre o verão
e o inverno. Como tal, odiado por muitos, amado por outros, esta é uma época
onde o ar se enche de um aroma a castanhas assadas, onde o frio sorrateiramente
nos bate à porta e onde o calor da lareira toma o seu justo lugar diante de nós.
O mês de novembro é tudo isto, mas é também um sinónimo de um esforço
financeiro adicional para grande parte das famílias portuguesas.
O pagamento da
última prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) é para muitos cidadãos
uma despesa farta para um conjunto de rendimentos diminutos. Mas o esforço não
é, obviamente, todo igual e por todos sentido. A legislação portuguesa
contempla no código do IMI (CIMI) um conjunto de normas que visam proteger os
cidadãos economicamente fragilizados, facultando-lhes uma isenção do imposto
exigido. Segundo o artigo 11º - A, ficam isentos de IMI os prédios rústicos ou
urbanos destinados a habitação
própria e permanente, desde que o rendimento anual dos sujeitos passivos
não exceda 2,3 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) anual[i] e,
simultaneamente, o valor da habitação não exceda 10 vezes o IAS anual. Em
termos práticos, uma família que obtenha um rendimento anual inferior a
15 295 € e possua uma habitação cujo valor patrimonial (VPT) não exceda os
66 500 €, não paga IMI em Portugal. Contudo, existe uma situação concreta
em que a legislação não se aplica e que, certamente, será desconhecida por muitos.
Imaginemos o
seguinte casal, o Sr.º A e a Sr.ª B, reformados, com uma reforma de 300 €
mensais cada um, possuidores de uma habitação própria de 50.000 €. Para devidos
efeitos, considere-se ainda que o casal possui dois filhos, já emancipados.
Pelo artigo anteriormente referido, e feitos os cálculos[ii],
facilmente depreendemos que o casal tem direito à isenção de IMI.
No entanto, considere-se
agora que o Sr.º A faleceu. Fruto desta triste circunstância, certamente todos
concordaremos que a Sr.ª B fica, em termos económicos, numa situação ainda mais
fragilizada, pelo que seria de esperar um eventual aumento dos apoios sociais
ou, pelo menos, uma manutenção dos benefícios fiscais que já possuía
(entenda-se, isenção IMI). Contudo, e ao contrário do que seria expectável, a
partir da morte do seu marido, a Sr.ª B é considerada um sujeito passivo de IMI
não isento (i.e, passa a pagar IMI).
Ora, em circunstâncias como estas, onde o rendimento do agregado familiar sofre
um corte considerável, esta situação não seria previsível. Mas é na “letra da
lei” que encontramos uma explicação para a tributação. O artigo 11º-A refere
que as habitações próprias se
encontram isentas, mas a verdade é que a Sr.ª B já não possui uma habitação
própria. Surpreendido? A explicação reside na questão das heranças. Como o
casal tem dois filhos, aquando o falecimento do Sr.º A, a habitação passou a
constar da “massa da herança”, pelo que a Sr.ª B e cada um dos filhos tem o direito
a receber uma parte da mesma. Deste modo, a habitação pertence, para efeitos
tributários, a 3 pessoas, deixando de contemplar a noção de “própria”.
Estou certo que
neste momento se interrogarão se existe forma de ultrapassar esta “lacuna” na
legislação. E eu respondo afirmativamente. Todavia, obriga a um conjunto de
procedimentos e um conhecimento que grande parte dos cidadãos não possui e,
relembrando que se trata de uma família fragilizada economicamente, a
probabilidade de não possuírem esse conhecimento ou de meios para o adquirirem
aumenta significativamente. Mas mesmo que possuíssem, teria de existir concordância
entre todos os elementos envolvidos (entenda-se, os herdeiros) e, como não
vivemos numa utopia, e não são raros os casos de discordância entre herdeiros,
a probabilidade de tal entendimento é muito baixa.
Assim, é
surpreendente como uma situação tão delicada como a morte, permite ao Estado
Português arrecadar, junto dos mais frágeis e dos que se diz proteger, mais uns
milhares de euros. Falamos de pessoas que (sobre)vivem numa cultura enraizada
pelo sentimento de “posse” e, como tal, a conquista de uma habitação própria é
dos maiores orgulhos que possuem, pois é a conquista de um lugar a que podem
chamar “Lar Doce lar”.

Comentários
Enviar um comentário