Estará a União Europeia a caminho de novo
alargamento?
24 de Junho de 2016, o mundo acorda incrédulo
perante a decisão do Reino Unido. O “Brexit” consuma-se contra todas as
previsões. A União Europeia parece ter os dias contados. “Frexit” (França), “Nexit”
(Holanda) ou “Dexit” (Alemanha) podem seguir-se.
Nem dois anos passaram e o cenário é hoje
completamente diferente. O sonho europeu ganhou novo fôlego. Se o euroceticismo
que assombrou a Europa não foi derrotado, pelo menos parece ter sido
controlado. A crise já lá vai e é tempo de construir o futuro. A União Europeia
vira-se agora para leste. Serão os Balcãs a próxima peça do puzzle europeu? Estarão
estes países preparados? Será este o caminho a seguir?
Albânia, Bósnia e Herzegovina, Kosovo,
Macedónia, Montenegro e Sérvia poderão vir a entrar no clube europeu a médio
prazo. A garantia foi dada por Jean Claude Juncker, Presidente da Comissão
Europeia, que, apesar de admitir que tal não ocorrerá durante o seu mandato -
que termina em 2019 -, há condições para que possa ocorrer até 2025, se não
para todos, pelo menos para alguns.
O horizonte poderá parecer longínquo, é
certo. Mas são também muitos os desafios que se colocam a estes países, não
sendo irrealista que o prazo não seja cumprido. Há muitos progressos a fazer. Só
entrarão se e quando estiverem preparados.
Primeiro terão que respeitar os tratados
europeus, nomeadamente os Critérios de Copenhaga. Poderão parecer básicos para
qualquer país ocidental, mas exigem um grande esforço para qualquer um destes
países, todos sucessores da Jugoslávia (à exceção da Albânia).
A nível político precisam de apresentar
instituições fortes, estáveis, democráticas e independentes, respeito pelas
minorias, pelos Direitos Humanos e pelo Estado de Direito. Devem vigorar as
forças do mercado e a economia deve ter a robustez necessária para lidar com a
concorrência interna do mercado europeu. O país requerente terá também que
assumir todas as obrigações decorrentes da adesão, nomeadamente os objetivos e a
missão da União, e alinhar a sua política externa com os demais.
“Seis repúblicas, cinco etnias, quatro
línguas, três religiões, dois alfabetos e um Partido”, assim era caracterizada
a Jugoslávia de Tito. “Um” país comunista de planeamento central e propriedade
estatal que não sobreviveu ao século XX. A difícil transição para o capitalismo
e a amálgama de povos, culturas e etnias resultou no mais sério conflito em
solo europeu desde a II Guerra Mundial. Desde 1991 até hoje, e sete países
depois, são muitos os progressos mas também muitas as feridas ainda por sarar.
O processo não é uniforme. Apesar das
semelhanças por demais evidentes, cada país enfrenta os seus próprios desafios.
Enquanto a Croácia e a Eslovénia - primeiros países a pedirem a independência
em 1991 - já integram a União Europeia, o Kosovo luta ainda pelo reconhecimento
internacional.
Sérvia e Montenegro seguem na linha da frente
do processo de adesão. Estes dois países, que formavam um só até 2006, já estão
na fase de negociações e deverão entrar na UE até 2025.
Montenegro surge mesmo na primeira posição
face a um possível alargamento. Apesar da crise política que se prolonga há já
18 meses – desde as eleições legislativas de Outubro de 2016 – a UE reconhece o
caminho percorrido rumo a uma sociedade mais democrática e respeitadora das
liberdades individuais. Terá, ainda assim, que envidar maiores esforços na
promoção de um poder judicial independente e no combate à corrupção e ao crime
organizado. Montenegro tem feito um enorme investimento na sua economia,
nomeadamente ao nível das infraestruturas. Porém, este investimento ameaça a
sustentabilidade das contas públicas nacionais. Com uma dívida pública e défice
crescentes são pedidas reformas urgentes que permitam uma aproximação ao
mercado europeu. Membro da NATO desde 2017, Montenegro também tem vindo a
alinhar o seu discurso com a União Europeia afastando-se gradualmente da
influência russa.
O mesmo não se pode dizer da Sérvia. A UE
pede mais reformas em praticamente todos os sectores. No plano político pede
mais transparência, mais respeito pelos direitos fundamentais - com destaque
para a liberdade de expressão - e poder acrescido para o parlamento. A nível
económico receia o baixo desenvolvimento do sector privado, a ausência de
concorrência livre e o peso do mercado negro. Sendo o maior e mais populoso dos
seis países candidatos tem em questões diplomáticas o seu principal entrave à
entrada na União Europeia. O impasse toma o nome de Kosovo. Outrora região
autónoma incluída na Sérvia, o Kosovo declarou a independência em 2008,
despoletando o conflito desde então. Enquanto esta questão não estiver
resolvida – leia-se, enquanto a Sérvia não reconhecer a independência do Kosovo
-, as portas da UE manter-se-ão fechadas por muitos avanços que haja no campo
político e económico.
Do lado do Kosovo a situação é muito mais
delicada. Cinco países da União Europeia não reconhecem este país como um
Estado independente. Chipre, Grécia, Roménia, Eslováquia e, especialmente,
Espanha – não excluindo a Sérvia ou a Bósnia e Herzegovina caso entrem primeiro
-, poderão vetar qualquer proposta de adesão do Kosovo à UE. A sua integração
nunca deixará de ter um grande ponto de interrogação.
O Kosovo enfrenta um outro desafio: é um país
maioritariamente muçulmano. Numa Europa onde os sentimentos populistas e
nacionalistas têm vindo a crescer, não é claro até que ponto esta questão
poderá arredar eternamente o Kosovo do sonho europeu. A par do Kosovo está a Bósnia
e Herzegovina e a Albânia, também países muçulmanos, mas com maior peso do cristianismo
(católico e ortodoxo). Dos seis, Kosovo e Bósnia e Herzegovina são os dois
cujas previsões apontam o ano de 2023 como data de início de processo de
integração. Não é crível que entrem na UE antes de 2030.
Segundo a União Europeia, a Bósnia e
Herzegovina apresenta uma economia de mercado numa fase muito primitiva. São
necessárias reformas urgentes e abrangentes. São necessários esforços também a
nível político. O respeito pelas minorias não está ainda assegurado – num país
dividido ao meio entre a Federação da Bósnia e Herzegovina, onde vivem
maioritariamente bósnios e croatas, e a República Srpska (ou Sérvia),
maioritariamente habitada por sérvios. A corrupção, o crime organizado e a
radicalização são igualmente problemas a resolver.
Mais próximos da União Europeia estão a
Albânia e a Macedónia. Ambos têm ainda muitas fragilidades, do ponto de vista
político e económico, mas têm evidenciado um grande esforço de aproximação à
União Europeia. Admite-se que as negociações oficiais de adesão iniciem este
ano, com previsões de entrada entre 2025 e 2030.
Tarefa mais difícil poderá ter a Macedónia. Além
da divisão étnica que está por resolver desde o fim da guerra em 2001, tem a
incontornável disputa do nome com a Grécia, que alega que a designação
“Macedónia” poderá levar a que este país reclame a região norte do território
helénico que também se chama “Macedónia”. A “Antiga República Jugoslava da
Macedónia”, nome oficial - (FYROM, na sigla em inglês) -, terá que alterar o
seu nome para “Nova Macedónia”, “Macedónia do Norte” ou “Vardar Macedónia” de
forma a evitar o veto dos gregos no momento da adesão.
Este processo ainda está longe do fim. Os
vários países vão avançando cada um ao seu ritmo. Admite-se que haja surpresas,
e que alguns sejam ultrapassados durante o processo. Alguns poderão também
ficar para trás enquanto não resolverem disputas internacionais – como é o caso
da Sérvia e do Kosovo e, em menor escala, a Macedónia. Certo é que só entrarão
quando estiverem preparados. Estarão dispostos a esperar? Pode ser um caminho
longo. E não se pode negar a influência da Rússia e da Turquia na região. Os Balcãs,
terra de limites, de confluência de povos, culturas, línguas e religiões, viu
as suas fronteiras mudarem constantemente nos últimos séculos. Estarão
finalmente preparados para abraçar a Europa? E nós estaremos preparados para os
receber?
José Mário Sousa
Marta Carvalho (Ilustração)

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