Nas últimas semanas muita tinta
tem sido gasta com o programa das noites de domingo da SIC: “Super Nanny”. Com
origem britânica, o famoso “reality show” tem um conceito simples: apresenta-se
o caso de uma criança problemática cujos pais não conseguem educar
convenientemente, a “super ama” dirige-se à respetiva casa, assiste à dinâmica
pais-filhos e com a sua fórmula mágica e novas regras recupera a calma e
alegria familiar em apenas alguns dias. Na prática, Teresa Paula Marques assume
o papel de Cesar Millan, o conhecido encantador de cães, só que no lugar de
cães estão crianças.
Na ótica da estação televisiva, o
objetivo do programa "é sempre o de auxiliar pais e educadores a
melhorarem a relação com os seus filhos, ajudando-os a estabelecer regras e
limites e melhorando a comunicação entre todos” e até aqui não existe qualquer
problema. O problema surge quando se fazem valer da exposição pública de
crianças para esse fim e os pais ainda recebem dinheiro por isso, supostamente
“como forma de compensar algumas despesas inerentes à gravação do programa”,
menciona a produtora Warner Bros.TV Portugal. Não digo com isto que os
conselhos da psicóloga clínica não sejam válidos ou inúteis, mas a verdade é
que, primeiramente, não existe uma fórmula única para educar crianças porque
estas possuem características diferentes; por outro lado, não me parece que o
ambiente gerado pela entrada de duas pessoas desconhecidas, uma delas com uma
câmara ao ombro, sempre a seguir os pais e os filhos em todas as suas tarefas
diárias, seja propriamente propício à educação; e por último, os pais fingirem
que não sabem que os filhos possuem direitos próprios e deixarem que estes
sejam humilhados por todos os que tenham assistido ao programa, é uma situação
muito grave.
Não me interpretem mal. Eu sei
perfeitamente que os pais apenas procuram uma solução, mas, assim como a
Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens
mencionou, existe um “elevado risco” de este tipo de solução “violar os direitos
das crianças, designadamente o direito à sua imagem, à reserva da sua vida
privada e à sua intimidade”. Para além disso, o conteúdo do programa é
“manifestamente contrário ao superior interesse da criança, podendo produzir
efeitos nefastos na sua personalidade, imediatos e a prazo”. Segundo a Ordem
dos Advogados, a transmissão televisiva da privacidade familiar, “ainda que
consentida por quem exerce legitimamente as responsabilidades parentais,
representa uma violação desproporcionada dos direitos de personalidade dos
menores, em especial do seu direito à reserva da intimidade da vida privada”.
Já para não falar das artimanhas utilizadas pela sonoplastia e pela
pós-produção que procuram fazer do programa a típica novela “mexicana” com
vista ao aumento das audiências. No fundo, o “Super Nanny” acaba por ser tão
pedagógico como o “Secret Story” é um jogo de adivinhas.
Em suma, apesar de ter sido líder
de audiências no seu horário, este programa acabou por se tornar uma grande dor
de cabeça para a SIC que, ao não pensar se o formato respeitaria não só os
direitos das crianças, mas também a cultura e os costumes portugueses, manchou
parte da sua imagem e encontra-se hoje em processo judicial, assim como as
famílias participantes. É verdade que já foi emitido em 21 países e resultou,
mas isso não implica que em Portugal aconteça o mesmo.
Ana Santos

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