Cinco
meses passados e o tema “Autoeuropa” continua na mesa da opinião pública. A
produção do SUV citadino T-Roc já se iniciou na fábrica de Palmela mas os
conflitos parecem não ter fim à vista. Assistimos diariamente a trocas de
acusações não só por parte dos envolvidos diretamente – a administração, os
trabalhadores e a comissão que os representa -, mas também por parte de políticos
e da opinião pública em geral. A verdade é que o assunto não deixa ninguém
indiferente dada a importância da fábrica de Palmela para a economia nacional.
A
Autoeuropa não é uma simples fábrica que produz carros. Para Portugal e para os
portugueses, a fábrica de Palmela representa o sonho europeu de crescimento e
de industrialização. Surgiu em 1991 através de uma “Joint Venture” entre a Volkswagen
e a Ford, no entanto só começou a operar em 1995. Quatro anos depois a Volkswagen
viria a assumir o controlo da mesma, adquirindo os 50% correspondentes à Ford. A
importância da Autoeuropa para a economia nacional tem variado ao longo do
tempo. Tem, no entanto, uma característica distintiva: a maior parte da sua
produção é para exportação. Segundo dados de 2016, a empresa tem 3 295
funcionários e 99,2% da sua produção foi para exportação, representando 0,8% do
PIB e 3% das exportações portuguesas.
O
conflito recente surgiu após a Autoeuropa ter recebido a produção do novo SUV
citadino T-ROC implicando laboração contínua e trabalho em 6 dias da semana.
Para fazer face a estas condições, a empresa e a comissão de trabalhadores em
vigor na altura, chegaram a um pré-acordo que viria a ser recusado pelos
trabalhadores desencadeando todo este conflito. O pré-acordo previa laboração contínua,
através da criação de um turno noturno e trabalho ao sábado. Em contrapartida
os trabalhadores teriam uma segunda folga semanal rotativa, um acréscimo de 175
euros mensais e 25 % do subsídio de turno, e mais um dia de férias. Este acordo
permitiria, ainda assim, segundo a empresa, um horário semanal inferior a 40 horas.
Foi recusado, essencialmente, por duas questões: por ter implicações na rotina
diária dos trabalhadores e por reclamarem que o trabalho ao sábado deveria ser
pago como horas extraordinárias.
O
conflito desperta. A comissão de trabalhadores demite-se. Entram em ação as
uniões sindicais e o próprio governo que não quer espantar os “alemães”. Com
isto, uma cadeira ficou vazia e a luta pelo lugar começou. A comissão de
trabalhadores tinha sido representada durante mais de 20 anos por António Chora
afeto ao Bloco de Esquerda. O PCP encontrou, nesta revolução, a possibilidade
de reclamar os seus ideais e afirmar a sua força sindicalista.
“A Autoeuropa, resultado da integração europeia, violenta a
ideia comunista de autarcia económica. (…) Porque a Autoeuropa significa ‘flexibilidade’
e ‘negociação’ nas relações de trabalho (…) A Autoeuropa (…) insiste em que tem
‘colaboradores’, em vez de ‘trabalhadores’”. Esta posição de Rui Ramos - patente
no seu artigo de opinião para o Observador –, expressa muito bem as motivações
do PCP.
É uma questão levantada já por várias vozes da opinião pública. A Autoeuropa
sempre privilegiou a comunicação e o entendimento com os trabalhadores,
percebendo que estes têm direitos e cumprindo-os. Mas mais: a Autoeuropa quer
que os trabalhadores se sintam bem, comprometendo-se a “uma gestão de recursos
humanos que promova a saúde, as competências e a dedicação de cada indivíduo”. No
entanto, para o PCP, os trabalhadores não devem alimentar o capitalismo das
empresas. Devem protestar contra as medidas que diminuam o seu bem-estar, como
é o caso do trabalho ao sábado, e, principalmente, a questão do seu pagamento. Outro
problema, que sempre existiu, está relacionado com a ideia de autarcia
económica. O PCP apresentou-se desde o princípio contra a integração europeia
de Portugal, mencionando aspetos negativos como a questão da liberalização do
comércio, sendo a Autoeuropa a imagem dessa liberalização. O problema é que
quem está a gerar este conflito em vez de o minimizar não percebe as
consequências que podem ser desencadeadas não só à fábrica de Palmela mas
também à região envolvente e ao país.
Porque
o que importa à Volkswagen não é manter a fábrica de Palmela, não é “agradar”
aos trabalhadores portugueses mas sim ter a produção do SUV citadino T-ROC
completa, no prazo definido. Depois de tanto investimento da Volkswagen, não
vão abandonar a fábrica de Palmela nem deixar de produzir. Nisso os portugueses
podem estar descansados. Mas se o conflito persistir não sabemos até que ponto
os “alemães” vão continuar por solo nacional quando o investimento for
amortizado. A Volkswagen tem unidades com folga para receber o trabalho extra
e, portanto, pode simplesmente transferir esse trabalho para unidades
estrangeiras, resolvendo, assim, o conflito. Tal implica a não contratação do pessoal
que atualmente se prevê e um futuro para a fábrica de Palmela que pode ser
desastroso: o horário zero - já mencionado por Camilo Lourenço no seu artigo de
opinião para o Jornal de Negócios. Porque, de futuro, a empresa-mãe pode não
entregar modelos importantes à Autoeuropa voltando esta a produzir apenas
“restos”, uma tese defendida pelo antigo representante da comissão de
trabalhadores, António Chora. Uma coisa é certa, qualquer que seja o resultado,
se os portugueses não deixarem de criar conflitos, haverão consequências
futuras.
Carolina Maia

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