Depois
de três anos em que o governo de Mariano Rajoy logrou de forma mais ou menos
bem sucedida, travar os ímpetos e repercussões do referendo levado a cabo a 9
de novembro de 2014, naquilo que foi considerado (ainda que simbolicamente) o
primeiro grande passo na construção de uma Catalunha independente, o dia 1 de
outubro, não obstante previsivelmente, alterou, ainda que não-oficialmente,
todo o cenário económico-político, não só da região, mas também de toda a
Espanha. Com Puigdemont – que pode vir a ser detido por rebelião - destituído,
mas ainda a trabalhar para “construir um país livre” e eleições antecipadas
para o dia 21 do próximo mês, ainda muita tinta irá correr relativamente à
Catalunha. Com o seu governo formalmente esvaziado de competências, após a
aplicação do artigo 155, a região irá atravessar agora um período de
indefinição que apenas terá comparação – ainda que remota – com aquele que
vigorou durante o regime franquista, durante o qual as instituições locais
foram abolidas e foi proibido o uso do catalão.
A História é um padrão que se repete a si
mesmo. A guerra dos Segadors – ou
“revolta dos ceifeiros” – foi a primeira de muitas manifestações de desagrado
por parte dos catalães contra o governo central, em 1640. Apoiados pelo reino
francês – que, aliás, durante um breve período ainda governou a região – os
catalães chegam a instaurar a República Catalã, mas em 1652, Barcelona ostenta
novamente a bandeira espanhola. A “revolta dos ceifeiros”, surpreendentemente
ou não, moldou também a história do nosso país. Os conflitos na Catalunha
fizeram com que grande parte das tropas espanholas se mobilizassem em direção à
região, permitindo que D.João, Duque de Bragança, e o seus apoiantes
terminassem com o domínio filipino. Mais um vez, uma prova dos laços
indeléveis, ainda que ténues, que nos unem a nuestros hermanos.Não obstante, a resistência catalã é intemporal e
indefectível. Liderando o processo de industrialização do território espanhol,
a sua cultura vai ganhando contornos mais definidos e uma identidade cada vez
mais patente; o sentimento de nacionalismo metamorfosea-se, mas continua bem
vivo. Já no século XX, a região ganha alguma autonomia governativa que logo irá
perder durante a ditadura de Primo Rivera (1923-1930). Contudo, nada se compara
ao período de horror vivido ao longo da ditadura de Franco. Daí até à
atualidade, a Catalunha sempre foi liderada por forças nacionalistas, à exceção
do período 2003-2010 – a marca separatista sempre latente no seio da governação
catalã.
A a
verdade é que as hipóteses de sucesso da causa liderada por Puidgemont – que
vem seguindo os passos do seu antecessor, Artur Mas, que, apesar de menos
explosivo e fraturante, é considerado o grande obreiro do movimento separatista
contemporâneo – vão esmorecendo a cada dia que passa. Se o referendo obteve o
“Sim” de cerca de 90% daqueles que votaram no violento 1 de outubro, as
sondagens mais recentes, apesar de se basearem numa amostra algo residual –
cerca de 1000 pessoas, número manifestamente escasso – dão ao movimento dos
partidos independentes apenas 42,5% das intenções de voto, percentagem
claramente abaixo da maioria absoluta necessária para governar e, por
conseguinte, determinar a independência da região. Três deputados separam a
Catalunha da autodeterminação. Resta saber se o movimento separatista
conseguirá cativar os eleitores no sentido de angariar os votos que lhe
permitam alcançar esse número. Os argumentos não andarão muito longe disto –
Catalunha não é Espanha, mas sim, uma orgulhosa nação, provida de língua e
cultura próprias, elementos desrespeitados por Madrid e, acima de tudo, a
parceria desigual que une a região ao país : anualmente, os catalães são
“forçados” a remeter cerca de 17 biliões de euros para os cofres do governo,
obrigação que afundou a Catalunha em dívida e a inibe de prestar os serviços
mais básicos aos seus cidadãos.
Com todas as cartas em cima da mesa, será
extremamente interessante perceber quais poderão ser as possíveis repercussões
para todo o continente europeu do desfecho deste episódio.
Indispensável será, antes de tudo,
perceber que o movimento separatista catalão é apenas nacionalista. Mesmo que
bem-sucedido, nunca colocará sequer em cogitação a hipótese de abandonar a
União Europeia. Todavia, esse não é o modus
operandis de grande parte das forças separatistas por toda a Europa, que,
desengane-se o leitor mais despercebido, não são assim tão poucas. De Edinburgo
a Veneza, passando ainda por Bruxelas e Munique, pululam pelo continente todo o
tipo de movimentos que são reflexo da rejeição generalizada de muitas das
políticas e causas basilares da EU. A indefinição quanto à orientação em termos
de politica externa – pró ou anti-europeia – no que concerne muitos dos
movimentos de secessão é sobremaneira preocupante, especialmente se tivermos em
conta a lenta, mas progressiva, desintegração dos ideais europeus – que até
agora teve o Brexit como seu expoente. Situações como a da Flandres – que
sustenta na língua própria a sua pretensão – e ainda a de Veneza e Lombardia –
onde o sentimento de injustiça é muito semelhante ao patente na situação catalã
– se não forem de alguma forma antecipadas e até, porventura, controladas,
poderão causar uma mossa ainda maior na identidade europeia. Se o status quo não se alterar, prevê-se um
futuro demasiadamente negro e espinhoso, do qual a UE poderá nunca mais
recuperar.
A autodeterminação é um direito
indispensável dos povos. Estes têm o direito de poder decidir livremente a sua
estruturação política, com o intuito de sempre salvaguardarem a sua existência
e independência. Posto isto, o papel dos verdadeiros europeus será, ao
contrário do que muitos advogam, não tentar, de forma vil e desprezível,
eliminar esse direito, mas sim, perceber as suas causas, dialogar com os seus
líderes e, sobretudo, estabelecer pontes de interação que permitam que o futuro
seja, pelo menos, um nada mais risonho. É nesta filosofia que reside a
sobrevivência da Comunidade Europeia, que, sem exceção e de forma inabalável,
deverá sempre tentar incluir e nunca, independentemente das circunstâncias,
excluir.

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